The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

09 fevereiro 2009

a última lavagem

minha makina de lavar morreu.
bueno, foi mesmo uma morte anunciada. já estava caduca, a coitada. que descanse em paz no céu dos eletrodomésticos pós-mortem. que a tenham em bom lugar.
foi agorinha há pouco. a makina estava fazendo seu costumeiro barulho de helicóptero desgovernado. nada que me chamasse a atenção em particular, ela se comportava assim desde que nos conhecemos. já sabia que essa barulheira correspondia a seu primeiro ciclo de centrifugagem de roupas, uma vez terminado o primeiro enxágue e o primeiro esvaziamento da água de seu ventre metaliko. de modo que, como dizia, nem cheguei a botar reparo no barulho. o que me chamou a atenção, no entanto, foi um ligeiro cheirinho de queimado. alguma cousa qualquer estaria em combustão aqui no the double tree park, me lembro de ter pensado. enfim, sendo vizinho do brito, também não me apurei em nada. continuei sentado no meu sofá beat a ver two and a half men na tevê. (um episódio clássico: aquele em que todos pensam que jake está deprimido com a separação dos pais, mas na verdade ele estava com prisão de ventre, e a berta resolve a situação com um laxante.) o cheiro de queimado estava ficando ainda mais intenso. ah, suspirei, o brito ainda vai botar este prédio abaixo. foi pensar nisso e ter a minha sala invadida por uma fumaça grossa. que não era o fog industrial paulistano do fim de tarde, que não era a nuvem de gordura das frituras do brito.
oh, a makina de lavar, the fuck.
cruzei a cozinha aspirando a fumaça e logo vi a makina de lavar a incendiar-se em pleno processo de centrifugagem. arranquei seu fio da tomada, seu agônico barulho, o ranger de sua engrenagem apodrecida cessou de imediato. morreu. o chão molhado com a água que ela soltou no seu último lamento. vi refletidas na poça de água as poéticas chamas que a consumiam por dentro. enchi o balde de água e o despejei ao redor da ex-makina. as chamas lentamente se extiguiram, enquanto a água no piso me molhava os pés. abri a antiga escotilha da makina e de seu ventre resgatei o último rol de roupas, ainda molhadas, mas cheirosinhas do derradeiro gole de amaciante ypê.
amanhã chamarei os kabras da assistência técnica para virem recolher os restos da makina. não pude chamá-los hoje, até tentei, mas já passa das seis, o zero oitocentos está mudo. penduro as últimas roupas no varal, as roupas pelas quais minha ex-makina de lavar entregou seus últimos momentos. as roupas resgatadas do tragiko curto-circuito. três blusas, um abrigo de moleton, uma cueca furada na bunda. tudo o que me resta de lembrança, a pingar no varal.

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