The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

31 julho 2009

abandono

há muito não via brito.
desde que me mudei do décimo-sexto andar, me apartando de sua companhia. já dizia o poeta que a vida é cheia de encontros e despedidas. sábio, o poeta. de toda forma, não pude deixar de sentir o peso de me afastar de brito, tão altiva figura, tão versátil protagonista de não poucas passagens aqui nas chronicles do tpb.
agora longe do brito há um par de semanas, sinto que um troço qualquer morreu em minha poesia urbana.
dia desses, ontem ou anteontem, já nem sei mais, fui comprar pão na padaria madame, à rua josé getúlio. sempre que vou para as bandas de lá da pires da mota, desço de elevador até o primeiro subsolo do the double tree park, tomando a rua pelo portão da garagem, o que vale alguns metros de adianto caso tivesse saído pela porta principal de nosso residencial beat.
cruzando a garagem rumo à tardinha lá fora, distingui entre os tons de cinza das colunas de cimento, a idosa silhueta de meu antigo vizinho... o brito. ele estava num canto da garagem, perto do portão, a fumar seu centésimo sexto cigarrinho galaxy do dia, pouco se f*dendo para as leis fascistas de josé serra. sorri ao rever o brito. sorri por vê-lo ali subvertendo o fascismo da saúde pública municipal.
apressei os passos um tantinho e estava me preparando para cumprimentar o brito. saudades. no momento exato em que erguia meu braço direito, a fim de mandar um cordial aceno de mão para meu antigo (antiquíssimo) vizinho, tive o gesto estancado no ar, o gesto desfeito quando ainda inacabado.
brito virou as costas e iniciou uma nada discreta circunvolução em torno de uma pilastra da garagem, interpondo-a na distância que nos separava no mesmo ritmo em que eu, andando, me aproximava de seu ponto original. escondendo-se do meu olhar, escondendo-se de meu gesto ainda em engendramento. erguendo uma barreira física, a coluna da garagem como um obelisco levantado para minha passagem. como um monolito indevassável.
sustei o aceno a meio pau. sorri amarelo em direção à pilastra de concreto. old man, look at my life, i am a lot like you were. cumprimentei o garagista e fui comprar pão. quando voltei da padaria madame, minutos mais tarde, brito já não estava mais na garagem. apenas aquela pilastra cinzenta continuava ali, igual a todas as demais arquitetonicamente espalhadas pela garagem, a não ser por uma guimba de cigarro largada e pisoteada ainda fumegante a seu pé.

|