Pulp Fiction e Paulo Coelho
Os vales verdejantes, próximos ao bosque - logo no final da Rua Rubi. Foi lá mesmo, nas fronteiras do nobre bairro da Aclimação, que me encontrei com Rampaul. O velho mora num fusca cor de abóbora, descascado e abandonado. Seu quarto é o banco de trás. A cozinha, o do motorista. A sala, o assento do passageiro. O banheiro é o mato mesmo.
Rampaul assava uma lebre à moda do bosque, capturada numa arapuca tão tosca quanto eficiente. “Chegue mais, mr Pothead, tome assento”. Antes de comermos a iguaria, ele me deu uma pastilha colorida para despertar o apetite. Abri um sorriso tão logo ingeri a pílula. Meus braços ficaram leves e, por um tempo, fiquei observando-os balançarem. Deixavam rastros tracejados no ar.
Esqueci que estava ali com Rampaul. Minha mente amoleceu. Bebericava um delicioso e fumegante chá de lírio. Levitei um pouco. Cheguei a voar, mas voltei a terra firme com a voz cavernosa do velho me chamando. “Agora chega, isso não é parque de diversões, caro John Silver”.
Aquiesci. Rampaul é meu terapeuta de gestalt. Tenta me conduzir para o caminho da felicidade. Todas as vezes que o encontro, faço a mesma pergunta. “O que é felicidade, ó honorável velho?”. Sempre me dá uma resposta diferente.
"Felicidade é não precisar. Só isso. Muito simples, Potman"
"Mas de quê, ó velho Rampaul? De dinheiro, de mulher, de bens materiais, de família, de amigos."
"As coisas só nos pertencem quando não precisamos mais delas."
"Mas..."
"Chega, vá embora e não volte nunca mais..."
Sai dali voando. Dando rasantes. Entrei num bingo na Avenida Paulista. Apostei dez centavos e ganhei dez milhões. Dei de esmola para um executivo engravatado que carregava um laptop a tiracolo. Ele correu imediatamente para uma concessionária Jaguar, comprou o modelo mais caro. Num piscar de olhos, quatro top models o acompanhavam na caranga.
Olhei aquilo e fiquei feliz pelo sujeito. Taí um cara realizado. Eu, não. Vou ter que voltar ao velho Rampaul e ao chá de lírio.
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