the poetry beyond words
- sempre me perguntam a função da poesia em minha vida...
- e respondes o quê?
- primeiro um certo silêncio se impõe. então desisto de brigar com as palavras. e deixo ficar assim. minha resposta é o silêncio.
- silêncio ecoa poesia, as palavras com seu barulho maltratam-na. poesias me engravidam, criam vida em mim...
- percebo, guria. e aqui te diria que a poesia é o esperma que lubrifica sentimentos.
- néctar que faz o beija-flor prender-se na sua flor encarnada.
- tu percebes o quanto é tolo tentar objetivamente expressar o que sente o poeta?
- sim. o quanto eu o sei... o quanto é triste e denso ser poeta... poesia é a expressão da vida.
- eu sempre me pergunto se, um dia, um dia qualquer, a poesia me abandonará? me virará as costas, apanhará a bengala e irá embora. com o mesmo ímpeto, com o mesmo fulgor com que chegou sem nada ter avisado.
- a poesia faz ver o sol da meia noite. ela me faz chorar a morte de uma folha de outono. ela me faz, eu sem mim. mesmo assim, gostaria que a minha poesia se fosse embora. ela me aprisiona, me fragiliza, me consome.
- eu sinto que a poesia é como uma veste, uma vestimenta, uma roupa que quanto mais nova, mais se parece necessária, mais temos vontade de exibi-la. e com o passar do tempo, com o passar das palavras, com o exercício diário do tempo e da palavra, essa roupa vai deixando sua alteridade, sua autoridade, vai deixando assim as cores originais e vai assumindo em nós o caráter de uma segunda pele. então a poesia será desnecessária para o poeta. pois o poeta, ele próprio, será sua poesia.
- é bonito isso o que disse. é bonita essa percepção. é quase religiosa.
- sim, guria. acho que estou me transformando na poesia. estou prestes a ser um punhado de versos livres. ou estaria prestes a voltar a ser um soneto? qual seria a forma final da poesia que perde sua identidade e assume vida? que assume a minha vida. qual seria? qual seria essa última poesia?
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