The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

23 setembro 2009

the thin air

encontrei um cara falando sozinho no meio da rua.
grandes cousas. milhares de sujeitos assim estão espalhados aqui e ali pela grand ciudad, por entre os passantes, como se fossem eles também pessoas normais, como você e eu. mas este camarada a quem me refiro, este de ontem, era diferente dos outros de sua espécie.
te digo que eu estava desligado do mundo, a ver o tempo passar, a pensar no flamengo, deixando passivamente que meu corpo monolítico fosse soerguido até um patamar mais elevado pela escada rolante à saída da estação consolação do metrô paulistano. e já estava ali no meio do trajeto mekanico quando olho pra minha esquerda e vejo, descendo a pé as escadas, um sujeito a mais entre as pessoas andantes, um sujeito como outro qualquer. como você ou eu.
não era um homeless. nem me parecia ébrio àquela pequena distância que nos separava. estava trajando uma calça social estilo ponta-de-estoque da riachuelo, sapatos fechados compatíveis, um agasalho bege um pouco puído, porque fazia frio, e era meio grisalho, pronunciadas entradas anunciavam uma calvície in progress, uma barba de dois dias na cara, meio tosca, mas bem mais apresentável que a minha. enfim.
just a regular guy. encontramos aos montes no metropolitano. a única distinção desse cara entre todos os demais, é que ele estava a falar sozinho. não estava esbravejando, atirando os braços, a face crispada de veemência, nadja disso. estava simplesmente a falar sozinho. e perceba que, tampouco, ele estava murmurando de si para si, como quem pensa alto, como quem pensa sozinho e deixa escapar, por distração, as palabras de sua boca. não era assim. se fosse assim, seria just like me, tal qual a ti, presumo. nã.
nosso amigo, ali a descer as escadas do metrô, estava falando com bastante naturalidade. estava mesmo no meio de uma despreocupada conversação, alguém poderia descrever. nem exaltado, nem ensimesmado. ele falava como quem fala com um brother a seu lado. falava como quem conversa em lugares públicos. ao mesmo tempo compartilhando de visível intimidade com o interlocutor e, claro, mantendo um tom de voz normal, reservado, apropriado para que não chame a atenção dos circundantes. uma gesticulação compatível com a oratória cotidiana, as mãos acompanhavam seu discurso, pontuando as frases e mantendo o ritmo oral.
o cara estava simplesmente, digamos assim, a trocar uma ideia - a trocar uma ideia com o ar.
justamente foi essa normalidade da conversa que me atraiu o olhar. se fosse um crazy mendigs a esbravejar, meu camarada, eu apenas riria pra mim mesmo com certa dó, e lembraria de nossos amigos mendigos da rua josé getúlio. o que me deteve o olhar foi justamente a tranquilidade, a tamanha naturalidade. estaria ele no alpendre de casa, a bater um papo matinal com um compadre, fazendo hora para o cafezinho das dez da manhã.
e eu, num átimo algo atrasado, saquei meu auricular do ouvido (no meio de uma canção da cat power), num ploc de despressurização auditiva, e tentei sintonizar minha audição rocker para o que aquele homem estava a dizer. queria, ao menos, pegar uma palavrinha ou duas, se o tema da conversa me escapasse naquele encontro tão breve e fortuito. mas nisso ele já ia adiante, a descer as escadas, e eu continuava minha lenta ascensão mekanica até a calçada da avenida paulista. deixando que o sujeito continuasse a conversar como seu dileto amigo, o ar.

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