The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

23 maio 2006

eufemismo

lá na esquina da apeninos com a castro alves tem a padaria tamandaré. ela leva esse nome porque, do lado oposto do citado cruzamento, a apeninos passa a se chamar tamandaré. mas a padaria tamandaré fica ainda na parte da apeninos, ali ao lado do hospital do servidor público municipal. a padaria apeninos é, mui provavelmente, a padaria mais tosca deste lado da aclimação. a única coisa que eles sabem fazer é vender cerveja. o pão é ruim, os salgados são velhos, os doces parecem de anteontem e a salada do x-tudo é vencida. então, percebam, eu estava realmente puto da vida quando resolvi entrar lá pra bater um x-salada. estava transtornado. estava out of control. tinha acabado de levar toco de uma guria que me manteve em banho-maria por um mês. de tal forma que - e digo isso sem nenhum orgulho - resolvi descontar minha angústia sexual no meu corpo junkie. cousa de beatnik demodê. enfim, essa foi a última vez que passei pela porta da tamandaré. e espero não voltar lá tão cedo. passei pela porta e cumprimentei o sanduicheiro. "olá, maguila, buenas." o cara leva esse nome - oh - porque é negro, gorducho, sem pescoço e nordestino. o maguila foi tratar de meu x-salada (sem muita maionese, por obséquio). e me deixou vendo tevê. passava um jogo do corinthians. quem mora em são paulo aprende a querer que o corinthians se estrepe. então comecei a torcer pro outro time. torcer calado porque ali ao meu lado estava um legítimo corinthiano, ladeado por uma kaiser kente. do lado oposto do balcão, uma prost puxava papo com o colega do maguila, na tentativa de não pagar o café com torradas; pelo cheiro de perfume da garota, tão cafona, ela estava indo pro serviço. bueno, eu examinava a prost e sua calça roxa, de plástico, presumo, colada à bunda gorda, quando senti um fedor mais fétido que o perfume da vagaba. a porta do banheiro tinha sido aberta. céus. a porta do banheiro aberta, na padaria tamandaré, faz você sonhar com a fumaça de cadáveres na polônia. o rio pinheiros parece uma reserva florestal diante do futum que escapa pela porta do banheiro da padaria tamandaré. de lá de dentro saiu um velhinho. um vellho meio mijado e completamente embriagado. é preciso estar assim desse jeito pra se fechar DENTRO da pôrra do banheiro da padaria tamandaré. o véio saiu bamba, tropicante, rastejante, como o velho buk à beira da última cirrose. veio se sentar do meu lado. demorou um tempinho pra - mal e mal - contornar minha pesada silhueta e se acomodar diante do corinthians. sentando a bunda na cadeira, se virou pra mim num sorriso desdentado. resolveu me ter como amigo. "rapaz, você é forte, hein?". ele percebeu, até ele percebeu. a que respondi com minha habitual solicitude. "não, véio, não sou forte. sou gordo mesmo." e sorri. ele sorriu de volta. sem saber o que é escárnio. maguila nos apartou com a chegada de meu x-salada. agradeci e mandei uma dentada faminta no hamburguer, lançando um bocado de maionese na minha blusa. sorri. satisfeito. e o véio tomou mais um gole de brahma. não sei se ouvi direito, estava com a cabeça enfiada na alface do sanduba, mas creio que ouvi um arroto do velhinho beat.

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