The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

23 setembro 2006

bright lights, big city

choveu. percebo a calçada molhada da paulista avenue. os sobretudos ainda gotejantes trombando-se aparvalhados pela calçada cheia de gente a passar e a me ver ali paradão acendendo pelo filter um marlboro reds. choveu e escureceu e parou de chover. as cousas não param de peitar seu lugar no mundo só por que tu estás lá amarrotado numa poltrona de cinema por três horas sem estalar os joelhos diante de um filme francês de época em preto-e-branco exibido precariamente em reprodução digital dolby stereo surround por oito pilas a meia.
bright lights, big city
gone to my baby's head
bright lights, big city
gone to my baby's head
esqueço o cigarro suicidal numa poça d´água urbana e sigo em frente. meu cellphone nokia vibracall avisa: faltam vinte minutos pro soar do terceiro sinal da peça. shakespeare, papito, shakespeare na grande noite paulistana. sozinho atravesso por entre faróis acesos zunindo macios em ambos os sentidos. todos muito atrasados sempre. acendo outro cigarrillo na altura da terceira faixa. ainda há tempo. quinze minutos pra chegar ao prédio da fiesp. sim, papito, andam encenando shakespeare na fiesp.
i'd tried to tell the woman but she doesn't believe a word i said
go light pretty baby...
gonna need my help some day
it's all right pretty baby...
gonna need my help some day
you're gonna wish you listened to some of those things i said
me lembro agorinha de um blues antigo. cantarolo mick jagger baixinho em minha mente. chutando as pernas num estilo richards, estalo os joelhos cansados de tanto cinema francês. penduro o cigarro na cordinha da guitarra, the air guitar, numa afetação clapton. as gurias saindo da escada rolante das profundezas metroviárias me olham assim meio enviesado, meio seduzidas, assaz excitadas por tão supimpa destreza. mas não perdem a passada rolante. medo de chuva. medo da noite. medo do mendigo ali sentado. medo de meu par de all stars vermelhos. my red suede shoes.
go ahead pretty baby
oh, honey knock yourself out
go ahead pretty baby
oh honey knock yourself out
a pirâmide da fiesp. a ruína maia. o apogeu de uma era. guardando os tesouros e as múmias putrefas do empresariado nacional. sou o indiana jones do teatro elizabetano e exijo passagem, oh bravo segurança marombado de paletó e gravata. deixe-me passar, por obséquio, oh nobre cidadão do proletariado cooptado pelo patronato, que já são horas do primeiro sinal. qual peça o senhor vai ver? oh, o timão de atenas. qualquer cousa sobre o curingão de sócrates e casagrande. a peça já começou, sinto muito, e faz uma hora. meu ingresso amassado molhado quase rasgado no fundo do bolso comprova o que o zeloso guardião da fiesp me diz ali de pé, barrando minha entrada entre cordinhas vermelhas esticadas ante os passantes anti organizações criminosas.
sem nada a fazer ali, acendo um marlboro reds, atravesso no sinal vermelho e tomo o rumo da augusta, centro. o distrito vermelho da bucólica megalópole chuvosa.
bueno, i still love you baby, cause you don't know what it's all about
bright lights, big city
gone to my baby's head
bright lights, big city
gone to my baby's head

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