The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

19 outubro 2006

engravatados buscam ouro no porão

vestir minhas galochas. e minha capa anti-chuva ácida. empunhar meu guarda-chuva anti-nuclear. para enfrentar as ruas da grande megalópole cinzenta. o céu plúmbeo paulistano, assaz ameaçador do lado de lá da janela, anuncia o meio-dia industrial. atrás da neblina permanente, o astro rei encontrou seu ponto de culmiância no zênite. cá embaixo, no nono andar, olho para cima e não encontro redenção, apenas a fuligem da construção civil, ao som de duas desembestadas betoneiras. me lembro de ter acordado no meio da madrugada. foi esta noite ou a noite passada? me lembro de ter acordado com o som de escavadeiras rasgando o asfalto selvagem da rua pires da mota. me arrastei até a varanda, sonado e descabelado, de onde vi homens da municipalidade estuprando a esquina da pires da mota com a loureiro da cruz. eles abriam rombos com dentes metálicos e depois diligentementeb tapavam o próprio crime com uma crosta nova de asfalto, imprensado pela patrola contra o solo. mas não saberia te dizer se vi tudo isso mesmo, entre as emissões de gasolina crua que a patrola peidava regularmente, ou teria apenas visto algo semelhante, quem sabe teria apenas sonhado com essa cena noturna tardia. porque agora de dia, olhando daqui do nono andar a mesma esquina, não vejo mais os sinais do sucedido. homem nenhum na pista. deve ser obra de minha mente. deve ser a grande cidade se manifestando no oco de meu cerebelo naquele par de horas antes da vigília. deve ser esquizofrenia. deve ser insônia. deve ser dostoiévski e suas longas orações por são petersburgo. estou lendo demais, dormindo de menos. e agora preciso de meu par de galochas (o proxeneta!) e de minha capa e de meu guarda-chuva e de muita coragem para abandonar meu casulo beat na segurança asséptica do the double tree park e tomar novamente the very streets desta minha aprazível ciudad. preciso sair de meu bunker, antes que a bomba coreana exploda, antes que o pcc tome conta do país, antes que esteja condenado a passar o resto de meus dias trancafiado em um condomínio de classe-média e alta segurança. te digo que preciso juntar minhas forças físicas e ideológicas para atravessar cannabicamente the aclimation hill até, do lado de lá, já próximo ao atlântico, encontrar o platô da paulista avenue. a grande avenida da latino-américa. o coração do brazil. the wall street, esperando pelos boeings da gol seqüestrados por bin laden em foz do iguaçu. enquanto marcola não vem, vou invadindo a avenida paulista prali cometer a maior contravenção que pode ser cometida impunemente frente às patrulhas estacionadas sobre as calçadas: vou levar minha pesada silhueta para a calçada da avenida paulista e lá vou andar vagarosamente, apreciando a paisagem, desviando dos mendigs e decifrando os hieroglifos hostis deixados pelos grafiteiros nos muros pálidos. vou desfilar minha figura, esta minha alegoria anticapitalista, diante da pirâmide da fiesp. afrontar os engravatados com minhas bermudas. afrontar os executivos com minha aparência mendicosa. afrontar o grande capital pegando um cineminha às duas da tarde. afrontar o espírito do meu tempo com meu existencialismo anarquista niilista demodê e confortável. afrontar a locomotiva cocainômana sem rumo que leva este país pra frente em aceleradas fungadas rumo ao precipício. viva geraldo alckmin!

|