The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

15 outubro 2006

the nonstop sounding machine

os passarinhos mutantes d´aclimação são insones. the freaks. eles começam a piar lá pelas cinco da manhã de domingo, certamente por conta de algum distúrbio genético, começam a piar muito antes de o sol se esgueirar por entre os edifícios cinzentos.
quase cinco da manhã. quando terminei de ver um filme francês pôrra-louca e ultraviolento para - me sentindo em avantajada paz dominical - esticar minha carcaça beat no colchão kingsize. em dias normais, colocaria às pressas os tampões de ouvido, pois em um par de horas (às sete em ponto de la matina) os operários da construção civil saudariam o sol com estrondosas marteladas e - nas manhãs mais alegres - uma betoneira estacionada no meio da loureiro da cruz. porém, como até os operários e as betoneiras sossegam aos domingos, julguei - por descabida ingenuidade - que pudesse prescindir de meus tampoons auriculares. ao menos por uma noite.
foi quando entraram em cena os passarinhos mutantes d´aclimação. promovendo uma algazarra primaveril nas duas árvores que batizam o assim chamado the double tree park. alguns andares acima dos ninhos aviadados desses entusiasmados passarinhos, eu não conseguia conciliar o sono. o canto dos bichos me importunava sobremaneira. de tal modo que, numa atitude de bestial desprezo com a natureza que ainda se esconde nos oásis floridos da saudável megalópole industrial, saquei da gaveta meus anestésicos tampões de espuma e pressionei-os tubo ouvidal adentro com tamanho ímpeto que quase me acertaram os tímpanos. tive de afrouxá-los para modo de não ouvir meu próprio sistema circulatório. e assim, a meia bomba, os tampões me blindaram o sono ao longo da manhã dominical.
ao acordar, mais pra perto do meio-dia, destampei minhas vias auditivas e - plop, plop - me levantei do colchão kingsize para encarar a modorra opiácea de mais um dia. com certa alegria distingui as cordiais buzinadas na pires da mota. buzinadas dominicais que - por favor - não podem se confundir com as buzinadas da every day life. estas buzinadas são bronqueadas, estressadas, psicóticas e, se pudessem se traduzir em vocábulos, diriam algo medonho, do tipo "anda logo, seu corno filha da p*ta". ao passo que aquelas buzinadas outras, as buzinadas de domingos e feriados, nada mais são do que automotivas versões dos educados e gentis "bom dia"... "como vai o senhor?"... ''oh, como estás? na tranqüilidade?"... e ainda "prestativo garagista, por obséquio, levante o portão para que eu possa ganhar as ruas neste domingo de sol".
debruçado na varanda, poucos andares acima das árvores double tree, contemplo o admirável domingo paulistano. um dia de paz, serenidade e forró no bar da miriam. um dia de passarinhos mutantes no cio. um dia de carinhosas buzinadas a cada esquina.

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