The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

28 abril 2007

conto de outono

estranho aquilo nas minhas pernas. algo inusitado mas, ao mesmo tempo, familiar. apesar do cheiro de mofo. um cheiro discreto sob as gotículas ck one pulverizadas com malícia. vesti calças compridas pela primeira vez neste ano. minhas calças jeans. calças cáqui talvez. para bater perna no centro de são paulo. batucando sonic youth dentro do meu i-pobre. batucando até a praça roosevelt.
"time takes its crazy toll, and how does your mirror grow, you better watch yourself when you jump into it, 'cause the mirror's gonna steal your soul"
parado esperando o sinal vermelho na avenida são luiz. os ônibus tirando fino, fino de minha pança. os malas do anhangabaú, seus agasalhos de moleton, seu palavreado cruzado. a biblioteca mario de andrade deserta de livros, deserta de leitores, seus andares acesos e vazios. cataratas de pessoas apressadas tirando fino, fino de minha pança. centas de pessoas marchandp em sentindo contrário. marchando em retirada. evacuando o centro de la ciudad. lotando metrôs e baús. indo embora a qualquer custo. indo para casa. indo para bem longe. jaçanã. jardim ângela. terminal pirituba. morro doce.
"i wonder how it came to be my friend, that someone just like you has come again, you'll never, never know how close you came, until you fall in love with the diamond rain"
sozinho no meio da rua. equilibrando no gelo baiano, paraibano, pernambucano. esperando o sinal verde. aquecido pelas calças compridas. o guarda-chuva nas mãos guardando a chuva ali dentro. no rain, no rain, no rain. aqui me sinto protegido. guarda-chuva em mãos, tu se sente mais preparado pra vida. ninguém me conhece. ninguém olha na minha cara. nem sabe onde moro. nem sabe o que sei. o que fiz. o que sou.
"throw all his trash away, look out he's here to stay, your mirror's gonna crack when he breaks into it, and you'll never never be the same"
a cidade evacuada. as ruas enfartadas. a guerra dos mundos. e percebo que, nisso tudo, estou indo rápido demais. não estou indo para morro doce. estou indo pra logo ali. e tenho tempo. ninguém a me esperar. freio o passo. um engravatado tromba no meu lado. ajeito o auricular dentro do duto auditivo. aumento o som. uma nuvem de cannabis anuncia a esquina da praça roosevelt.
"look into his eyes and you can see, why all the little kids are dressed in dreams, i wonder how he's gonna make it back, when he sees that you just know it's make-belief"
levanto a tampa da privada com o pé esquerdo. botina impermeável. puxo meio metro de papel higiênico rala-coco. faço um travesseiro delicado com tão rude material. abrir o cinto, desabotoar as calças, baixar o fecho éclair. a poesia da língua francesa, mon chéri. baixo o cuecão, encosto os antebraços na parede, espicho a espinha e miro com destreza o centro do laguinho porcelânico.
"blood crystalized as sand, and now i hope you'll understand, you reflected into his looking glass soul, and now the mirror is your only friend"
dois tiozinhos furam a fila do theatre assim que toca o sino anunciando a sessão das dez. eles atravessam a boca de cena e se sentam ali, comparsas, no canto oposto. na primeira fila. aquele carecone de barba grisalha parece ser o líder da dupla. terceiro ato. o carecone sabia que ali, no canto de lá do palco, a atriz atroz levantaria a saia. deixando escapar a calcinha branca e as coxas lisas. consegui ver daqui. enquanto ela encavalava um papai-mamãe stanislavsko com o carismático ator famoso.
"look into his eyes and you will see, that men are not alone on the diamond sea, sail into the heart of the lonely storm, and tell her that you'll love her eternally"
ela levanta a saia. ele acende um cigarro. ela percorre o espaço até a sombra. ele vai atrás. apagam as luzes. a peça acabou.
e ninguém percebeu.
acendem as luzes, os atores saem do fundo do palco. eles se curvam polidamente à audiência. aí todo mundo aplaude forte, aplaude de pé. e assovia vivas.
"time takes its crazy toll, mirror fallin' off the wall, you better look out for the looking glass girl, 'cause she's gonna take you for a fall"
foi quando pensei em ti.
cruzando a cidade evacuada. atravessando o asfalto da são luiz sem nenhum ônibus para me atropelar. para me buzinar. às vezes, as luzes se acendem, e a gente não percebe que já acabou. que todos já foram embora. e esqueceram de te avisar.
"look into his eyes and you shall see why everything is quiet and nothing's free I wonder how he's gonna make her smile when love is running wild on the diamond sea."
não, não esqueceram de te avisar. tu não conhecia ninguém.

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