The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

13 julho 2008

fellini só vive duas vezes

tarde de domingo. te digo que eu estava lá, estirado em meu sofá beat, jiboiando lentamente toda uma picanha do rod luz, meio que dormindo, quase peidando baixinho em dó menor. quando a impecável e lúcida narração de kleber machado, monocórdia a embalar minha digestão, saindo de dentro do jogo do palmeiras na tevê, começou a ficar embaçada em meus ouvidos. não entendi direito. achei que o problema era comigo, tentando puxar um soninho gostoso. muito cerume no ouvido, muita picanha na pança, muita lerdeza n´alma. mas não era comigo, não.
tinha alguém falando mais alto que o kleber machado. tinha alguém atravessando a locução do camarada. e quem seria? quem poderia falar ainda mais alto do que o kleber machado a irradiar um clássico paulista? quem? só mesmo uma força superior... só mesmo... deus.
ou quase deus. ou um enviado de deus.
era isso, sim, era deus. era um homem de deus. um homem de nosso senhor a nos redimir naquela tarde de domingo. uma procissão na pires da mota. uma pôrra de uma procissão descendo a pires da mota. corri pra varanda, espichei o pescoção e pude ver um comboio de carros descendo a rua, devagarinho, na banguela. pois é, uma procissão de carros. todos com as luzes piscando. saravá, meu povo, as luzes de alerta piscando na rabeira dos automóveis. e, no meio das carrangas piscantes, um trio elétrico de ivete. quase. era um caminhão bem fubanga, de dois eixos e provável chassis adulterado, levando em cima um padre esgoelante - de batina branca - a cuspir ao microfone, o alto-falante do caminhão fazendo mais barulho que a rede globo de televisão. o padre ficava passando a mão na estátua de nossa senhora. ficava se benzendo e rezava o pai nosso no microfone.
as pessoas corriam pra janela. ver que porra é aquela. mas o diabo é que nas calçadas vazias - tarde de domingo e palmeiras na tevê - ninguém se importava muito, ninguém dava lá muita pelota pro marcelo rossi d´aclimação. o pessoal apertava o passo, olhava em frente, fingia que não era ali. nosso padre marcelo do trio elétrico conquistou apenas um fiel - um bêbado a balançar os braços e gritar qualquer cousa que não se ouvia por conta da reza amplificada em megawatts absurdos. bueno, pensando melhor, talvez o bebum estivesse a soltar imprecações para o padreco que, surdo em sua fé, retribuía amavelmente dando tchauzinho. "deus abençôe os moradores da rua pires da mota", disse o bom pastor - oh, obrigado, e agora cale a boca.
logo atrás do padre vinha um caminhão do corpo de bombeiros com uma sirene estúpida. uma sirene que ficava miando de tempo em tempo. e a pôrra da procissão furando o sinal da josé getúlio na maior cara de pau. nossa senhora furando o sinal, o padre a cantar, os fiéis metidos em seus carros blindados de vidro fumê e faroletes a piscar, os bravos bombeiros a proteger aquela balbúrdia com sua sirene. e cadê os marronzinhos pra meterem uma multa na nossa senhora?
e lá se foi o padre a rezar. a carreata engarrafando a pires da mota e dobrando a esquina da avenida da aclimação, perturbando o sossego de todos em nome de nosso senhor jesus cristo, que morreu por nós, que morreu por nossos pecados. e a mãe dele também.

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