The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

19 novembro 2008

heart of darkness

dormir com as galinhas, como se diz. dormir com as galinhas, no bom sentido. te digo que ontem fui me acostar às nove e pouco da noite. tentei enrolar ainda um pouco, mas acompanhar o prélio são caetano vs juventude pela tevê é um pouquito demais até para mim, sujeito de empedernido espírito esportivo. tentei ler um livro, mas as letrinhas miúdas naquelas palavras compridas que enchiam páginas e páginas me deitavam vertigem nos olhos. meti um disco na vitrola, mas chet baker é melhor para dormir gostoso do que qualquer cobertor parahyba. de modo que, antes das dez da noite, eu já ressonava pesadamente. dizem que meu ronco faz tremer vidraças. não sei te dizer ao certo, pois nunca o ouvi, no entanto há testemunhos fortes. bueno, dormi então até me acabar de tanto dormir. sleep the clock around, te diria o poeta. acordei para fazer um pipi amigo lá pelas tantas, e foi ligeiro, logo me deitei de novo, virei o travesseiro proutro lado (a fim de evitar a recente babinha quente na fronha) e me acabei de dormir mais um tanto. então te digo que hoje cedinho, antes das cinco da manhã, eu já me punha disposto, já estava a acordar de meu sono revigorante e rejuvenescedor. pronto para mais um dia de aventuras mil. o diabo, admito, é esse troço de horário de verão. porque assim pouco antes das cinco é antes das quatro, então o que seria manhãzinha cedo se revela em verdade noite fechada. la nuit del sertón. me agasalhei e arrastei minha repousada carcaça escada a baixo. fui até o alpendre apreciar o frescor da madrugada na primavera do cerrado brazileiro. o poeta da madrugada, se tu me entendes. as insones aves noturnas ainda a gracejar em vôos cegos no comprido da noite. e as primeiras aves matinais a se manisfestarem, aqui e ali, com a sonolenta gratidão das folhagens verdulengas. o anfíbio coaxar dos sapos, na beira do lake paranoah, a denunciar o fim da festa dos pernilongos mutantes do ecossistema primitivo. quando os primeiros automóveis rolavam no asfalto, ali atrás da matinha verdejante, seus faróis rompendo a escuridão da dom bosco park way, e agora sim era verdade que a quarta-feira surgia. mais um dia no coração do brazil. terra de desbravadores, pioneiros, bandeirantes, sertanistas. terra de estadistas, lobbistas, golpistas e engravatados. vasto reino dos assessores, dos conhecidos, dos amigos dos amigos. a esfera das altas autarquias a congregarem os bravos homens que não têm mais tempo para a poesia. aos sapos me recolho. margeio o que restou do lago assoreado e pesco em ti a truta da misericórdia.

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