The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

17 janeiro 2009

vulgar

- guria... com licença... deixa esse pessoal aí de lado... e vem falar de poesia comigo.
- tá, e o que você tem de bom para me oferecer?
- a vertigem do risco.
- não estou a fim de correr esse tipo de risco seja mais verdadeiro.
- pense de novo no que acabas de me dizer. não faz sentido.
- qual o problema no que eu disse?
- não há lógica.
- como assim não há lógica?
- correr riscos, pequena, não é algo que se aceite ou se deixe de aceitar.
- está bem. vamos conversar...
- acha vulgar, guria? me diz... acha vulgar?
- como assim vulgar? agora é você que não fala coisa com coisa.
- acha vulgar encontrar alguém como eu e falar de sua vida mais íntima?
- não é vulgar. é conhecimento.
- me diz... tu é casada? falando assim tu me parece uma mulher casada.
- sou solteira.
- solteira mesmo?
- bem solteira.
- e tu namora?
- não. se eu fosse católica, acho que seria freira.
- tu curtes um final de semana inteiro sem sair de casa?
- sim. hoje mesmo mal saí de casa.
- como assim?
- não costumo sair muito.
- eu me refiro a ficar em casa o final de semana inteiro namorando.
- ah. bem...
- curtes?
- como ainda moro com meus pais, acho que não gostaria de ficar em casa assim.
- mas e na casa do camarada? ficaria?
- bem...
- seria essa sua idéia de diversão?
- não.
- acha vulgar?
- bem, depende...
- gosto de ficar em casa e me dedicar à arte do amor.
- entendi.
- essa é a minha idéia de diversão. tu achas vulgar?
- não.
- então curtes o amor no claustro?
- olha... posso te fazer uma pergunta?
- claro...
- você não vai achar ruim.
- claro que não...
- é uma crítica construtiva, tá?
- então fale, por favor...
- por que tudo você pergunta se parece vulgar?
- entendo.
- por quê?
- tenho esse receio.
- qual?
- o receio de soar vulgar pra ti. de parecer simplesmente vulgar a teus olhos.
- você tem que ser quem você é... pra gente se conhecer...
- verdade. sei que as pessoas estão sempre a julgar uma as outras.
- você tem que ser correto.
- te digo que eu me revelo na verdade absoluta.
- você tem que ser honesto. não mostre o que você não é, por que aí é ruim.
- ruim mesmo.
- você não estará sendo verdadeiro com você mesmo.
- por isso logo abordei você a falar de sexo.
- eu? falando de sexo?
- fiz questão de falar logo de sexo.
- eu não faço isso! aonde e com que eu falava isso?
- eu falava. eu te disse que eu te abordei falando de sexo.
- essa agora eu não entendi.
- eu.
- eu nunca falaria isso.
- eu! eu te disse que eu puxei papo contigo sobre sexo. eu!
- eu não falo sobre isso com qualquer um...
- quem falou fui eu. não disse em momento algum que você tenha falado coisa alguma sobre esse tema. quem falou fui eu. quem levantou o tema fui eu. quem provocou fui eu.
- isso é muito íntimo.
- eu sei.
- você também não me falou sobre isso...
- falei sobre passar o final de semana em casa namorando, lembra? perguntei se tu achava divertido, te disse que era essa minha idéia de diversão, acho até que deixei bem claro... tanto que tu disse que morava com os pais, etc.
- tá bom.
- era sobre sexo que eu estava a falar quando comentei sobre namorar e depois usei a expressão “a arte do amor”. percebe?
- então tá.
- era sobre trepar.
- certo... achei legal brigar um pouquinho com você.
- agora que deixei claro ter falado de sexo naquele momento que falei do final de semana a dois... tu achou vulgar?
- não. depende do casal.
- quero conhecer uma mulher que goste de sexo tanto quanto eu.
- pronto. o papo estava muito interessante até aqui.
- tornou-se vulgar?
- já entendi o que você está procurando.
- sexo. adoro sexo. sim. e tu?
- eu não sou a pessoa para você.
- não curtes o troço?
- isso é vulgar.
- sexo é vulgar?
- a maneira que você está falando. isso é muito vulgar. “troço”. credo.
- eu estou perguntando qual a importância do sexo pra ti... acha mesmo vulgar?
- sexo não é vulgar. a maneira com que você expôs isso é vulgar. entendeu?
- entendo. acha que sou vulgar.
- agora eu acho.
- pra tu ver que eu tava sacando isso desde o começo.
- então tá.
- te conheço melhor do que tu mesma.
- foi legal o papo no começo, mas agora não está me interessando mais.
- claro que não. tu achas vulgar.
- você não me conhece, não.
- já te conheço de cor e salteado, pequena.
- se me conhecesse não falaria isso.
- te conheço de cabo a rabo. não há um milímetro em ti que me surpreenda.
- será mesmo?
- conheço cada pentelho teu.
- você está blefando.
- nem um suspiro de surpresa.
- e eu não te conheço e nem quero conhecê-lo.
- claro que tu não quer. tu acha que sou vulgar. é confortável pra ti pensar assim.
- eu achava que era diferente...
- diferente e vulgar.
- mas vi que é o mesmo que os outros todos.
- a mesma vulgaridade.
- nosso papo estava bom, até brigamos, e você então estragou tudo.
- estraguei por ser vulgar, tu dizes. mas eu te digo: estraguei por ter sido sincero e franco e honesto contigo a cada segundo. violentamente honesto. como você mesma chegou a me pedir, me pediu e eu já estava sendo assim antes mesmo que tu tivesse me pedido qualquer coisa. eu sou assim naturalmente. o tempo inteiro assim.
- te disse que não falo de minha intimidade.
- eu só sei falar de minha intimidade. se eu não falasse de minha intimidade, falaria do quê?
- vulgar...
- sobre o que mais poderia te falar?
- quem sabe outra noite a gente se encontra...
- tu não vai querer me encontrar. sou vulgar.
- quem sabe me esqueça de você e depois de te esquecer a gente se encontre em outro bar. quem sabe então...
- tu não ia querer saber de mim, ia me achar vulgar só de me olhar.
- quem sabe de dia, numa rua do centro.
- tu mudaria de calçada se me visse na rua. me acharia vulgar já de longe à luz do dia.
- para de dizer isso.
- vou embora.
- não vai nem se despedir?

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