The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

14 fevereiro 2009

breve romance de sonho

sonhei com o brito esta noite. foi bizarro. disturbing. tentarei agora, junguianamente, reconstruir a narrativa onírica que me ocupou a mente por longas horas de intensa inconsciência.
este foi um daqueles sonhos cindidos em duas partes. tipo "brito" e "brito dois, a missão". me recordo mais desta segunda parte, porque mais recente, me ocorreu depois de ter levantado para fazer o habitual pipi das quatro da manhã. a primeira parte veio antes do pipi. e talvez pela atividade urinária, que me despertou em meio à madrugada, ainda seja capaz de guardar fragmentos da primeira parte do sonho.
mas muito pouco.
por alguma incompreensível razão david lynch, própria dos sonhos, eu saí do double tree park para viajar junto com o brito. em dizer, junto com os britos, porque a velha também foi junto. o casal brito & eu. eles deviam estar de férias. e eu, a vagabundear. não me lembro de muito mais do que isto: estar on the road com os britos. não saberia te dizer se a companhia deles caia bem para mim, mas é bem possível que caísse, pois não guardo impressões marcantes dessa primeira parte do sonho. que, em verdade, agora que escrevo, mais me parece um breve intróito do que ainda virá. também não sei dizer para onde diabos viajamos. o que seria um troço bem freud: afinal a cada janeiro eu me pergunto pra onde teriam viajado os britos e, sem saber, apenas especulo, especulo. veja você. o que vale dizer é que, além de um impreciso eerie feeling de algo, alguém, se movendo entre minhas cobertas beat, que não eu, o que guardo dessa primeira narrativa de sonho é uma sensação benfazeja. talvez biológica. talvez proveniente da sempre aliviante pipizada das quatro da manhã. enfim. me levantei e fui ao kavalheiros, fiz o pipi, dei a descarga e me esborrachei de volta no colchão. tudo isso no piloto-automático. a atividade deve ter levado, ao todo, pouco menos de um minuto, pois meu modesto apartamento hipster tem distâncias curtas. de modo que, assim que novamente repousei meu cabeção no travesseiro babado, estava de volta ao convívio dos britos on my mind.
em verdade... houve uma ruptura espaço-temporal no sonho e, num salto adiante na linha kronologico-narrativa, eu já estava de volta à minha residência aqui no the double tree park. no entanto, pensava nos britos, e pensava muito nos britos, até me lembrar que eu tinha comigo algo que lhes pertencia. uma espécie de roupão de banho. ou seria um robe de seda? não era um sobretudo bogart, não, era algo de se usar em casa. um roupão, um robe. eles tinham me emprestado a vestimenta durante a viagem. que gesto de intimidade, não é verdade? por suposto recobrando um pouco da consciência em meio ao sonho, tive a urgência de devolver a roupa aos britos. e fui lá no apartamento deles. os britos eram meus vizinhos também neste sonho.
the double tree park, porém, estava irreconhecível. a geografia afetiva era outra. brito não era meu vizinho de porta, como acontece na real, brito morava alguns bons andares mais abaixo de mim. tomei as eskadas. o andar onde eu morava, no sonho, era um andar em tudo semelhante ao verdadeiro double tree park. as eskadas de incêndio também tinham semelhantes degraus, eram feitas da mesma matéria do verdadeiro double tree park. mas quando cruzei a porta de latão, chegando ao patamar dos velhos, o que se abriu do outro lado da porta de latão era em tudo diferente a este residencial que habitamos.
era como se, no andar tal, abrisse uma porta de latão para outra dimensão mobiliária-arquitetônica. de repente, me vi num prédio grande e sombrio, de espaços amplos, acarpetado, com todas as áreas comuns ocupadas por móveis antigos, como que saídos dos antiquários da benedito calixto. poltronas, divãs, namoradeiras, toucadores, espelhos, biombos. as próprias eskadas dali para os andares debaixo eram bem outras... de madeira, em karacol, como um labirinto borgeano, como uma espiral indefinida que gira sobre seu próprio eixo indefinidamente. a história da eternidade. nada disso me chamou aos sentidos. tudo me era assim tão natural. então bati na porta dos britos, que ligeiro localizei entre os compridos corredores kubrickianos que pareciam habitados pelo jack nicholson de "o iluminado". o velho brito, figura querida, veio à porta me receber. mas não entrei. apenas fiquei ali de pé e tirei do meu corpo o roupão que vestia. estava a devolvê-lo. e fiquei de cuecas. brito não o recolheu de imediato, em vez disso, chamou a senhora brito, que logo foi ter conosco ali no corredor. gentil e meiga, ela sorriu pra mim, tomou o roupão em mãos e me perguntou qual era o cartão de minha predileção. aí, sim, eu fiquei desconcertado. na hora da conta. débito ou crédito?, me perguntou. estendi a tarjeta eletronika, que ela colocou naquela makininha de ler cartões que existe mesmo nos sonhos mais buñuéis. estava a me cobrar pelo empréstimo da roupa. me lembro do valor exato: trinta e seis reais por três dias, o que equivale a uma tarifa diária de doze pilas. e me lembro de não esperar que eu tivesse de pagar pelo que me passara por uma gentileza. digitei a senha. ela me entregou o kanhoto do comprovante da transação bankaria. me agradeceu num firme aperto de mãos e entrou em casa, brito entrou junto e fechou a porta na minha frente. fiquei ali de pé, no meio do corredor, de cuecas.
minhas cuecas azuis puídas.
me bateu então, e só então, um certo pudor por estar ali metido em meus cuecones mais andrajosos. foi quando uma camareira saiu do apartamento ao lado, empurrando seu carrinho de roupas sujas em minha direção. the double tree park estava convertido em um elegante hotel uruguayo. a camareira olhou pra mim e, mui profissionalmente, baixou a vista com discrição, entrou em mais um apartamento usando de sua chave-mestra. senti-me, então, um invasor em um mundo de sonhos. stranger than paradise. procurei a porta de latão que me levaria em segurança aos andares conhecidos do prédio. mas não havia mais porta alguma. zanzei entre os corredores acarpetados, zanzei entre os antigos móveis, zanzei feito zazie dans le metro.
e terminei a noite sentado nos degraus de madeira da eskada em karacol, encolhido dentro de minha cueca azul, espiando a camareira ligeira, de belas canelas sob a barra da saia, a empurrar seu carrinho de roupas sujas de porta em porta.

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