The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

08 novembro 2006

o céu de lisboa

num sacolejo, o airplane mergulha mais algumas centenas de pés rumo à grande maquete ali embaixo. a cidade de são paulo, vista da jaleninha de um boeing em alta velocidade, não é muito mais do que esta imensa legoland de luzes coloridas. num sacolejo, o airplane desaparece dentro da espessa camada de neblina e poluentes atmosféricos que paira sobre la grand ciudad. abaixo a cabeça, encosto a testa na jaleninha latejante e sinto minha fronte tremer a seiscentos quilômetros horários. lá no bico do airplane a sensação térmica bate em esfuziantes cento e dezessete graus negativos. o gélido bico do airplane rompe com carinho e persistência os espessos flocos de algodão industrial que pairam sobre a megalópole blade runner. através da esbranquiçada jaleninha, consigo distinguir no furor glacial uma luz de alerta na ponta da asa. uma luz vermelha que brilha e apaga e brilha como respondendo àquelas todas luzes amarelas, difusas, lá embaixo. as luzes automotivas emoldurando nas duas marginais engarrafadas o derrame plúmbeo e vazio do rio tietê. sua silenciosa escuridão. num sacolejo, o airplane desaba mais alguns milhares de pés. o suficiente pra fugir da aglomeração aleatória de gases nobres e permitir uma visão maior desta bucólica megalópole. suas artérias de sangue vermelho. suas veias de sangue amarelo. faróis indo e vindo, centro-bairro, bairro-centro, num fluxo constante, bombeando seus glóbulos pelo urbanismo enfartado. de longe, de cima, já se percebe o monumental fracasso da grand ciudad. se há de fato um deus das metrópoles, se há em algum lugar un san pablo a abençoar sua ciudad, eles pouco podem fazer. tanta neblina atrapalha a visão. num sacolejo, o airplane ameaça roçar sua barriga metálica no cocuruto de um prédio residencial, tira um fino das tristes antenas da tevê, quase se enrosca nas linhas de eletricidade e desce num rasante entre os outdoors que nos protegem e nos guiam pelas alamedas de tua ciudad. quando toca as rodinhas no asfalto úmido, quando as janelas embaçam com a garoa, quando os freios roncinantes me arremessam pra frente, fecho os olhos em tua ciudad.

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