The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

03 setembro 2008

there goes the neighbourhood

me impressiona o movimento de pessoas no the double tree park.
nosso aprazível residencial beat tem duzentas unidades: 20 andares, dez apartamentos por andar. tirando o meu vizinho brito, que é mais véio que a eternidade, todos os demais moradores do double tree são apenas passageiros no tempo - e no mercado imobiliário.
me impressiona o entra-e-sai de inquilinos no prédio. toda semana tem um caminhão de mudanças parado em frente à garagem limpando ou trazendo mobílias. hoje mesmo quase fui atropelado por um carreto quando chegava da padaria madame. o cara deu a ré na maior em cima da calçada. o elevador de serviço vive subindo e descendo com sofás, mesas, camas, colchões, tapetes, fogões, televisores, peixinhos doirados.
eu moro há três anos e pouco no the double tree park, primeiro no 901 e agora no 1604. te digo que hoje me sinto como um veterano. como um velho zelador de uma mansarda que a vê invadida por forasteiros & desconhecidos. eu conheço quase nenhum dos meus vizinhos...
aqui perto, no 1605, tu sabes, mora o brito e sua senhora. eles são simpáticos, fofos e cheirosinhos.
no 1603, só fiquei sabendo dia desses, mora um pequeno comerciante de sono leve e pouco ânimo matinal - antes morava um homossexual - que reclamou de minha pessoa para o porteiro dia desses, por eu estar ouvindo low dream em volume intenso às sete e meia da manhã.
no 1602, mora um casal com cara de exilados irlandeses. ele é alto e franzino e usa óculos. ela é mais enrugada, mais baixa, mais mal penteada, e creio que tinge os cabelos de loiro. os dois se vestem com molambos e parecem estar constantemente entorpecidos por insônia. evitam o contato com minha pessoa. percebo que se escondem atrás da porta quando acontece de quererem sair de casa e eu estar no átrio a esperar o elevador. quando calculam errado os movimentos e dão de cara comigo, falam bomdia baixinho e ficam encarando o chão. devem me achar meio freak. e suspeito que sejam foragidos.
no 1601, sei que já houve mudança de inquilino nessa última temporada, mas nunca tinha visto o morador anterior, assim como nunca vi o morador atual. nunca ouvi ruído saindo daquele apartamento, nunca vi movimento por ali. às vezes penso que é um apartamento vazio. às vezes penso que é de alguém muito silencioso, discreto e enrustido. penso que o casal do 1602 guarda ali os corpos de suas vítimas. imagino que simplesmente seja um portal para outro domínio, algo que ainda escapa de meu conhecimento, de minha percepção.
já passei horas debruçado sobre o olho mágico da minha porta, espiando o corredor vazio e escurecido, a esperar alguém entrar ou sair do 1601. nunca.
talvez o brito tenha a resposta.

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