The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

09 dezembro 2008

as gurias da madame

assim que me mudei pr´aclimação, e nem faz tanto tempo assim, me recordo de ter tido uma má impressão a respeito da padaria madame. essa padaria aqui pertinho do the double tree park, à rua josé getúlio. não sei te dizer exatamente o por quê dessa impressão. eu meio que achei o ambiente esquisitão. meio sórdido. acostumado, talvez, com as panificadoras mauricinhas do lago sul - acho que tu me entendes.
então preferia ir até a orquídea pérola, a padaria lá da rua castro alves. agora há tempos não vou à pérola.
passei a freqüentar a padaria madame nesta última temporada. assim como não saberia te dizer o que me afastou de lá num primeiro momento, também não saberia apontar as razões que me levaram a reconsiderar a madame em meu itinerário urbano, em meu imaginário afetivo. bueno, tu bem podes me dizer, talvez simplesmente existam coreanos demais ali na pérola. verdade.
de qualquer forma... agora vou todas as manhãs até a padaria madame. é como caminhar no parque d´aclimação. um saudável começo para mais um dia de poesia urbana & flaneurie. e nesse processo diário tu acabas por se acostumar, se familiarizar e quiçá nutrir mesmo certo carinho pelos lugares & seus personagens.
na padaria madame, por exemplo, conheci o seu madeira. o verdadeiro hipster d´aclimação. já tive a oportunidade de contar sobre o madeira aqui, e se não falei mais sobre ele é devido a sua extravagante e arisca personalidade. ele às vezes está de boa, de prosa faceira e sorridente. mas quando fica de maus bofes, chuta cachorro na rua. literalmente. que o diga aquele vira-lata que volta e meia desce a josé getúlio vestindo uma puída camisa alvinegra do corinthians, sempre a caçar pulgas e sempre no encalço de seu dono, o guardador de carros (flanelinha) oficial do quarteirão. enfim, gosto do seu madeira. mas reconheço que esse sim é esquisitão - e não apenas na primeira impressão. mas ele deve estar bem pimpão por estes dias.
que ele é são-paulino.
na padaria madame, já percebi, alguns kamaradas ficam ali só de onda. ficam ali pra acompanhar o movimento dos barcos, como diria o poeta jards macalé. a dizer: ficam ali pra acompanhar o entra e sai do mulherio.
como qualquer padaria, a madame é muito freqüentada pelas mulheres. as dods, claro, são o núcleo principal das habitués. e a turma fica ali, batendo um café, falando de futebol, e vendo as gurias. agora que está chegando o verão, esse movimento masculino tende a engrossar. neste calorão industrial, as dods estão a cada dia mais e mais vestidas como a carla perez. menos e menos vestidas, por assim dizer.
eu estava lá, hoje de manhã na madame, a bater meu corriqueiro desjejum dos campeões (café preto & bolo de carne). quando resolveram pilhar seu arthur em flagrante. o seu arthur é um senhor de idade. um aposentado d´aclimação. lembra muito o zagallo. lembra o zagallo de uns dez anos atrás, que já era um sujeito bem velhinho, porque o zagallo é mesmo velho a valer. então o seu arthur se veste naquele uniforme zagalliano dos aposentados: calça cáqui, cinto, camisa de linho abotoada no estilo véio. e tênis rainha.
uma simpática dods adentrou a madame e, cruzando o balcão da panificadora, foi até o padeiro. depois cruzou o balcão de volta, passou pelo caixa e saiu à rua com seus pães quentinhos.
ela foi mui discreta e detidamente observada por toda a rapaziada durante o minuto e meio que durou esse trajeto. e pelo seu arthur também. que a dods, eu já a tinha visto vez ou outra pela josé getúlio, te digo que parece mesmo a irmã mais novinha da mulata globeleza. ainda vestida, verdade, mas sem nenhum truque do hans donner.
o seu arthur ficou lá de pé acompanhando a guria no olhar até ela ir embora. o movimento de levar o copo de café até a boca detido em pleno ar, o gesto estacado, o copo na mão, o braço a meio caminho.
aí, seu arthur, hein? só de olho na mulherada... quem provocou foi o gentil, o tosco chapeiro cearense-corinthiano. seu arthur poderia rir e, pronto, estava de boa, todo mundo reparou na guria. mas seu arthur, como sabemos, parece o zagallo. então ele aprumou a espinha, largou o copo de café no balcão, bateu na barriguinha de oldie e murmurou qualquer cousa que não se entendeu. ajeitou o cós da calça sob o cinto e foi ali bater papo com o português do caixa.
o gentil pegou o pano de limpeza, deu uma torneirada, passou o pano no balcão à minha frente, recolheu os pratos vazios e me piscou o olho. sagaz. o balcão ficou meio pegajoso.

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