The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

11 junho 2008

the man who wasn´t there

o velho brito é um sujeito de hábitos regulares. um homem de disciplina. porque só assim, creio, tu consegues ficar that old. o brito, por exemplo, sempre sai de casa às nove e meia da manhã. larga a velha lá dentro, sai pro corredor, fecha a porta e fica ali em pé. sei disso porque dou uma espiada pelo olho mágico do 1604. brito nessa hora está carregando uma sacola de supermercado com o lixo da noite. acende um cigarrinho, segurando o lixo, diante da porta. às vezes come uma banana ali mesmo. e sai fumegando até a lixeira do décimo-sexto. onde dá uma boa lida nos periódicos antigos que foram jogados fora. prefere a parte de esportes. sempre revira as caixas de pizza, porque às vezes um vizinho esquece de recotar o cupom de promoção, então ele se dá bem. brito, já foi dito, dá um rolê pelas lixeiras mais próximas. às vezes, quando se sente lucky, detêm-se mais nessa varredura, indo até o último andar, o vigésimo, e de lá descendo em sua inspenção solitária. ainda pela manhã, vai até o átrio do the double tree park, no térreo, e fica fumando um cigarrinho sentado no sofá de couro da recepção. às vezes ele chega a entrar na academia - onde john pothead fica a malhar - e se senta numa daquelas máquinas de tortura medieval. sempre no cigarrinho. dá um tempo apreciando a academia, ainda vazia pelas manhãs, e segue adiante, tomando o elevador até o primeiro subsolo, onde bate um papo com o garagista. papos que já foram mais compridos, quando joãozinho era o garagista, antes do atual gordinho de poucas palavras e sorriso lerdo ocupar esse job. acho que o brito não vai muito com as fuças do novo garagista. então fuma um cigarrinho calado e dá uma espiada no trânsito da pires da mota.
assim são as manhãs do brito. gosto dele. apesar de ele feder um tanto. porque brito é very very f*cking old e já conseguiu lapidar um estilo particular de doing nothing. um dia chego lá.
isso pra te contar que, hoje de manhã, brito me surpreendeu. quando eu estava a descer do elevador no décimo-sexto, carregando minhas compras matinais do supermercado dany, e dei com a luz do corredor acesa. era nove e dez da manhã. ainda cedo para o cigarrinho de brito. de fato, brito não estava ali de pé em frente à sua porta, 1605, bloqueando minha passagem até o 1604. brito não estava lá. mas a luz do corredor estava acesa e - oh - a porta do 1605 estava aberta, escancarada. já tinha visto aquela porta entreaberta algumas vezes, nesse quase um ano que somos vizinhos, mas hoje foi diferente. porque era cedo demais para brito. e porque a porta estava completamente aberta. como se o casal brito estivesse a esperar alguma visita. como se tivesse sido arrombada por um meliante. como se brito simplesmente me aguardasse. engoli em seco e olhei para dentro do apartamento.
o cheirinho tóxico tão peculiar a brito e às suas cercanias, podrinho, envenenando o ar. espesso, quase palpável, quase sólido como os dejetos de sonhos apodrecidos. como num conto extraordinário de allan poe. prendi a respiração, gro, mas não me intimidei. meti o olhão para dentro da alcova de brito. um olhar ligeiro, de relance, enquanto dava uma passada comprida e agarrava a maçaneta do 1604, metendo minha carcaça para dentro de meu apê beat num é unico e ligeiro movimento diego hipolito.
fechei a porta às minhas costas. liguei a tevê no sportv, fechei as janelas e me atirei em meu sofá beat. as imagens da casa de brito ainda frescas, rambling on my mind. posso te dizer, pelo que notei naquele clímax que durou não mais que um ou dois segundos, que o apartamento de brito ainda assombra meus sentimentos. me lembro do corredor estreito, levando da porta de entrada à cozinha e à sala, de paredes brancas e carpete marrom claro. num canto do corredor, logo à entrada, uma mesinha de madeira ocupada por um único objeto de porcelana, um barco de porcelana carregando a imagem de uma vestal em trajes de camponesa. tipo do troço que qualquer vó tem em sua casa cheia de bricabraques. mas ali, aquela mocinha a velejar, me pareceu a barca do inferno. o cheiro de enxofre escapando do carpete fétido. as paredes brancas, refletindo o sol matinal d´aclimação, a me ferir as vistas e tontear os sentidos. o cheiro, o cheiro, o cheiro. minha condenação por levar uma vida beat cheia de luxúrias, pecados e lassidão. nunca mais olharei para dentro do apartamento de brito, nunca, nem por um mísero e fortuito instante, se não quiser me ver perdido, minh´alma condenada, mais um passageiro a se danar na barca do inferno.

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