The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

18 dezembro 2008

the aclimation chainsaw massacre

a aclimação frios e laticínios é exatamente isso que seu nome leva a crer. não tem segredo, não tem mistério. quer dizer: tem sim, tenebrosos, sob o manto insuspeito de mais um comércio local prosaico e pacífico, um comércio que aparenta ser tão somente o que seu nome nos leva a crer. a aclimação frios e laticínios parece ser uma espécie de secos & molhados. uma mercearia de pequenas necessidades. daqueles comércios medievais que existiam lá pelos anos trinta, quarenta, antes dos grandes mercados, supermercados, shopping centers. a aclimação frios e laticínios fica aqui à rua pires da mota, bem do lado do residencial the double tree park.
a julgar pelas precárias instalações do prédio, a aclimação frios e laticínios já ficava aqui na pires da mota quando a aclimação era ainda uma fazendola nas cercanias de são paulo.
recentemente, e apenas recentemente, eles resolveram investir em propaganda & marketing. por conta daquela lei "cidade limpa" do grande kassab, esse visionário, a aclimação frios e laticínios teve de mudar sua fachada. assim como outras lojas d´aclimação. me lembro quando os homens vieram e arrancaram da parede aquele antigo letreiro de luzes opacas, interditando a calçada, fazendo barulho, levantando quilos de poeira, aspergindo mopho num raio de quilômetros. o antigo luminoso, que nem acendia mais suas luzes broxas, foi substituído por uma placa novinha e pequenina (aclimação frios e laticínios), assaz discreta, do mesmo shape, do mesmo modelo, nas mesmas cores das placas dos emprendimentos vizinhos aqui na pires da mota, como o bazar fenícia e a oficina piovesan.
e os camaradas certamente aproveitaram esses novos ares das cercanias e mandaram para a graphica um folheto publicitário. recebi um aqui no double tree: aclimação frios e laticínios, uma família servindo a sua família. eis o slogan.
sou um beat. um deadbeat. um outsider. clint eastwood d´aclimação. não tenho such thing as a family. the wanderer. não tenho tal coisa como uma família. i cast no shadow. não deixo vestígios por onde passo. mas, caso tivesse uma família, certamente não deixaria que os meus freqüentassem a aclimação frios e laticínios. aquele não é um lugar para amadores.
te digo que a família que toca a aclimação frios e laticínios é um arremedo local da família de leatherface naquele filme "o massacre da serra elétrica". me refiro à versão original, anos setenta, do tobe hopper - claro - e não àquela porquêra que fizeram há pouco. o personagem do leatherface, belo e maldito, foi inspirado em um serial killer de verdade, o texano ed gaines, que costumava retalhar a pele de suas vítimas para usá-la como estofado de sofás e embelezar outros móveis de sua casa, como abajures e mesinhas de centro. na versão romanceada de tobe hopper, a família inteira é de lunáticos de semelhante monta - e a vovó é um cadáver que fica sentado na cadeira de balanço até ser levado à mesa para o jantar.
a família da aclimação frios e laticínios, te digo aqui, me lembra muito a adorável família de leatherface. você entra ali na lojinha e se vê cercado pela família de comerciantes. o filho é um maganão branquelo, alto, corpulento e meio lento, um tanto grisalho já entrando nos quarenta e poucos anos. seu olhar é levemente crazie e ele sempre está por de trás da máquina cortadora de fiambres. certa feita pedi pra ele duzentos gramas de presunto. ele me perguntou se eu curtia fatias bem fininhas.
a mãe dele também trabalha na loja. é uma senhora baixinha, de olhar cativante e espírito afetuoso, sempre a dar "bom dia", sempre sorridente e sempre ágil em contar as moedinhas do troco. talvez por isso ela fique atrás da máquina registradora. quando entramos na aclimação frios e laticínios e ela não está atrás da registradora, prontamente emerge de um corredor escuro, corredor que dá para as outras dependências da kasa onde eles moram. ela chega secando as mãos no avental, solícita e humorada, oferecendo seus préstimos. imagino que, nessas ocasiões, ela deve ter deixado a janta cozinhando em fogo brando.
há ainda dois senhores na aclimação frios e laticínios. um deles parece ser o pai dessa senhora, ou seja, o avô do leatherface. mas pode muito bem ser o marido dela, logo, o pai do leatherface. às vezes creio mesmo que ele seja ambos. bestial.
o quarto elemento é um senhorzinho baixito e pançudo. de pele uns tons mais escura que a alemãozada ao redor. deve ser uma espécie de tio torto. um antigo amante. um parente adotado. ou mesmo uma vítima, uma das primeiras vítimas da família, antes mesmo de eles terem aberto a aclimação frios e laticínios. alguém que foi poupado com vida. mas que sofreu os danos permanentes do que lhe aconteceu. por isso o olhar perdido, os movimentos vagarosos, o aspecto descuidado. como se tivesse sofrido um trauma muito muito grande. ou uma lobotomia.
eles são uma família feliz. a happy family.
sempre juntos ali na aclimação frios e laticínios. sempre a trabalhar. sempre com a lojinha vazia. nas raras vezes que me aventuro porta adentro, sou sempre o único por ali. me pergunto como podem se manter funcionando nesse esquema, se frios e laticínios forem realmente a única razão para aquilo tudo.
dia desses, me espantei, eles contrataram um garoto para ajudá-los. como se precisassem de ajuda naquele estabelecimento entregue às moscas. era um neguinho de olhar infantil e espírito alerta. fingindo interesse num pacote de fubá, tentei manter conversação com o moleque, para alertá-lo, mas logo a senhora sugiu por detrás do balcão e nos apartou. o moleque foi contar os sacos de feijão. eu comprei uma farofa yoki e me mandei de lá ligeiro. nunca mais vi o garoto. nunca mais. deve ter virado picadinho num almoço de domingo.

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