The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

23 dezembro 2008

novocaine for the soul

talvez tu te sintas desconfortável em viagens aéreas. atochado numa estreita poltrona da classe econômica. talvez seja uma situação assaz incômoda se tu estiveres ali curtindo a plenitude de um surto de hemorróidas num vôo são paulo-brazilya. se tu me entendes.
te digo que fiquei ligeiramente zonzo, descompensando, depois que as portas da aeronave se fecharam. faltava-me ar, e a cabine ainda não estava pressurizada. o avião ali parado, na cabeceira da pista, parado. a chuva célere se aproximando nos céus de congonhas. eu sentado assim, meio de ladinho, ora um lado, ora outro lado, meio passado, mal passado. percebi num relance de lucidez que a última fileira de poltronas (vinte e três) estava totalmente desocupada - ali pertinho do banheiro. me esgueirei pelo corredor, a saltitar numa só perna, e me arremessei naquele último refúgio. a aeromoça estava atenta aos movimentos dos impacientes senhores passageiros e, coque empolado, bundinha arrebitada, veio ter comigo em um par de segundos.
"esta fileira possui o incoveniente de não reclinar os encostos", ela me segredou, guardando tal inconfidência num sorrisinho cúmplice. oh, bela guria, pensei, o encosto reclinável da melhor ergonometria possível em nossa aviação comercial não passaria de um luxo pequeno burgês caso tu te encontrasses suando de hemorróidas. nesse momento, pequena, as hemorróidas revelam o homem em sua essência. as hemorróidas separam os meninos dos poetas. pensei nisso tudo. não disse nada disso. apenas sorri ternamente.
tu és gentil em me avisar, bem gentil, mas gostaria apenas de esticar aqui minhas pernas por um momento ou dous.

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