The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

14 junho 2008

i can read it like the back of my hand

dia de feira na loureiro da cruz. evito andar no trecho da rua aqui bem em frente ao the double tree park, porque é onde encostam os peixeiros e o asfalto fica molhado melado grudento de eca de peixe. vísceras, se tu me entendes. então dou uma circundada nos peixeiros e em suas tripas, passando pela calçada em frente ao residencial les palms. sempre entro na feira assim meio de ladinho, pelo canto da rua urano onde fica a barraca do vendendor de coco. "bom dia, meu patrão", ele me saúda, todos os sábados pela manhã, e olho desconfiado por trás do meu ombro para ver quem seria o patrão dele, coitado.
falei do senhor dos cocos porque ali perto dele, sentada num caixotinho, fica sempre encolhida uma cigana. uma cigana anã. uma cigana anã perneta que lê a sorte na palma da (tua) mão. tenho medo da cigana anã perneta. ela é a personagem david lynch na feira da loureiro da cruz. ela me olha assim meio de rabolho (será só a mim?) como se tivesse a lançar uma praga shakespeare sobre minha já pesada e enfadonha existência beat.
a cigana anã perneta quiromante fica sempre sentada no caixotinho e apóia o corpo bizarre numa bengala. saia preta até os tornozelos (não é difícil) e blusa rubro-negra estampada de mangas bufantes, te digo que nunca prestei muita atenção pra precisar para ti os detalhes da blusa estampada, pois tenho medo da diminuta figura. seus cabelos presos num coque, às vezes usa boina preta, quando faz sol, sempre a ostentar dois brincos ciganos de argolas doiradas.
sempre a me olhar com perversos olhos malignos.
hoje a cigana anã perneta quiromante estava a ler a sorte de uma incauta moradora d´aclimação. franzia a testa ao ler a suerte. percebi isso enquanto catava cebola, dissimuladamente. e ela torcia o nariz de um jeito estranho que deve ter aprendido lá com suas tias da romênia. torcia a cara enquanto passava as unhas tortas vermelhas compridas na palma da mão da freguesa que, alma perdida em dor e desespero, permanecia encurvada corajosa e lívida ouvindo sabe-se lá o quê. deixei as cebolas pra lá. e saí da feira fugido ligeiro num arrepio. fui bater um pastel de bacalhau na chinesa lá do outro lado do quarteirão.

|