la ciudad abandonada
dez da noite n´aclimação. há tempos não fico acordado tão tarde. acordo cedo e vou dormir mais cedo ainda. tentando trabalhar uma poesia mais solar, tu sabes, largar a boemia ruidosa por um instante, em troca de dias mais ensolarados. então bate as dez da noite e este meu corpo - carcaça inútil - enverga no rumo do meu colchão beat. mas luto contra o soninho pesado. vou até a varanda hipster e meto o cabeção para fora. para ouvir melhor os sons da night.
as janelas acesas n´aclimação. um carro de alarme disparado numa rua vizinha à liberdade. estranho tantas luzes, tantos prédios. estranho o quase silêncio das construções abandonadas, obras suspensas. sinto falta dos operários gritando dos patamares, arrebentando paredes e erguendo pisos, fazendo rapel na encosta do edifício para dar uma mão de tinta assim de passagem. às vezes eles fazem hora-extra mas, antes das dez, não tem jeito, eles têm que largar as ferramentas e se meter em um ônibus, dois ônibus, três ônibus - o plural de ônibus é ônibus, então não importa quantos eles são - até uma vila qualquer da zona leste, zona sul, wherever.
e deixam para trás o silêncio inóspito da grand ciudad abandonada.
percebi isso hoje de manhã, percebo melhor as cousas pela manhã, dando uma banda pela rua turmalina, quando um grupo de operários colocava abaixo, numa algazarra, telha por telha, o telhado de um casarão abandonado. eles se regozijavam a cada marretada e, pude perceber porque parei na calçada e fiquei olhando atento, fingindo esperar o ônibus, eles se aplicavam para que cada telha tirada do lugar caísse lá embaixo fazendo o maior esporro possível.
percebi - então - que derrubar casarões abandonados e perturbar as gentes ao redor é a única revolução possível ao alcance desses sujeitos apartados da society. eles pegam dois, três, quatro ônibus e se arrastam lá da periferia antes mesmo do alvorecer, para estarem aqui às sete em ponto da manhã e f*derem com teu soninho pequeno burguês. para pilotarem britadeiras a tarde inteira e f*derem teu trabalhinho chinfrim e f*derem tua paz de espírito mesquinha. é isso.
é essa a verdadeira poesia concreta.
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