The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

05 julho 2008

comidinha gostosa

os britos são um casal de velhos sebentos. deles dois pode-se esperar praticamente qualquer cousa. mas agora há pouco eles se superaram. estava eu, perdido em meus pensamentos beats, inadvertidamente descendo do elevador aqui no décimo-sexto quando senti no ar um fedor pestilento. foi apenas questão de botar o pé para fora do elevador e sentir o pavoroso odor já ocupando todo o átrio do décimo-sexto.
cousa do brito, pensei de imediato, com as narinas ocupadas por aquele cheirinho azedo de fritura apodrecida. ah, a pôrra do almoço do brito, completei o pensamento e, dobrando a esquina rumo ao 1604, fiquei lívido e compreendi como o cheiro do brito estava a se manifestar tão intensamente desta vez, se manifestar em todo seu esplendor. a porta do apartamento 1605 estava aberta. não digo entreaberta. digo aberta, escancarada.
o fedor do almoço do brito tornara-se tão desagradável que até aqueles dois anciãos não suportaram tamanho mau cheiro. abriram a porta do apartamento para fazer escoar aquela nuvem grossa de podridão. respirei fundo e cruzei o corredor de fronte à porta de meus simpáticos vizinhos - e num relance capturei a cena mais grotesca que completasse com grande alarido sinestésico a fedentina em meus pulmões: o brito e a senhora brito, sentados na mesa da sala, um ao lado do outro, juntinhos, plácida e candidamente almoçando o refugo que saíra daquela bestial fritura dos infernos.
quase desmaiei à simples visão. mas sou forte. sou vizinho do brito há dozes meses e essa proximidade me tornou um camarada de estômago resistente e de espírito que não enverga facilmente. vooei num espasmo até adentrar com estrondo no meu querido 1604. fechei a porta atrás de mim numa porrada. meu apartamento hipster nunca me pareceu tão confortável, seguro e higiênico.
te digo que acendi logo dois incensos de sândalo, para espantar o ar carregado, e o espírito carregado. passei perfuminho gostoso no meu cangote e em cada uma das narinas. abri a porta de leve e pela fresta despejei meio litro de spray bon air (sabor brisa do mar) no corredor do décimo-sexto. mas temo que a pajelança tenha sido tardia - e inútil.
the double tree park federá para sempre. federá ao menos em minhas mais traumatizantes recordações. federá para sempre dentro de minha aturdida cachola.

|