o cat de jack
"tentando estudar os sutras
o gato deita na página
dizendo me escuta"
(jack kerouac)
poesia beatnik e pensamentos nihilistas
ouvi dizer que a primavera chegou. li em algum jornal. e me lembrei disso agora. fui lá na varanda espiar a pires da mota. os muros continuam cinzas, as nuvens continuam cinzas. as pichações continuam ilegíveis, o dirigível da goodyear ainda segue o mesmo caminho de sempre. john pothead comentou que viu um beija-flor esta manhã. um beija-flor zanzando entre árvores floridas. lá no sumaré. pode ser que a primavera já tenha chegado no sumaré. não sei. mr pothead usa drugs. pode ter surtado com beija-flores. sabe como é, psicotrópicos. espio a aclimação aqui do nono andar. e espero algum beija-flor beatnik se extraviar entre a primavera em flor e vir parar aqui na minha varanda. não sei se beija-flores têm tamanha autonomia de vôo.
o brilho do sol atravessa a persiana. o esporro das máquinas atravessa as paredes. a hora já vai tarde. mas meu colchão beat ainda é o lugar mais macio de toda esta megalópole solitária.
e o coronel do carandiru foi vítima de crime passional.
desculpem, desculpem.
as crianças estão perfiladas. uniformes engomadinhos, cabelos penteados e sapatos lustrados. as crianças são vigiadas e mantidas em fila pelos mestres. as colunas ocupando boa parte da quadra poliesportiva do colégio integração, cravada milimetricamente entre três muros altos, diante de um alambrado e sob o manto de sombrite industrial cinzento que protege os infantes dos estilhaços de construção civil que despencam da obra ali ao lado. a quadra não é grande, mas os alunos também não são muitos. e estão bem comportados, ordeiros, quietinhos, tipo os menores da febem rendidos numa tarde de sábado, detentos que bem poderiam estar ali também, mas não deram essa sorte de estudar na aprazível aclimação. um professor, possivelmente o diretor da escola, ou melhor, a secretária do diretor da escola, ou quem sabe o ajudante da secretária do diretor da escola, aperta o play do toca-fitas e a barulheira dos operários em seus andaimes é abafada pelos acordes estridentes do hino nacional. as crianças, com empolgação brainwashed de fazer corar os publicitários e de deixar ejacular o galvão bueno, entram todas ensaiadinhas no compasso exato do ouvirundum. as vozinhas infantis se fazem ouvir até o nono andar do the double tree park, de onde me assusto com tamanho alarde patriótico desarrazoado. meto o cabeção na varanda e fico aliviado ao perceber que, ao menos, as crianças não estão com o braço direito estendido fazendo a saudação nazista. anauê.
hoje me bateu vontade de correr
eu me lembro...
(das agências internacionais, enviada por caponildo à redação tpb)
achei um livro na lixeira do décimo-primeiro andar, introdução à filosofia, levei pra casa, pra deixar empoeirar ao lado de ecce homo, edição de bolso, na pilha de volumes jamais lidos. achei um outro livro na lixeira do décimo-primeiro andar, introdução à economia, e me perdoem os economistas, esse deixei por lá mesmo.
- não sei por que me olhas assim. sou jornalista profissional há dez anos.
choveu. percebo a calçada molhada da paulista avenue. os sobretudos ainda gotejantes trombando-se aparvalhados pela calçada cheia de gente a passar e a me ver ali paradão acendendo pelo filter um marlboro reds. choveu e escureceu e parou de chover. as cousas não param de peitar seu lugar no mundo só por que tu estás lá amarrotado numa poltrona de cinema por três horas sem estalar os joelhos diante de um filme francês de época em preto-e-branco exibido precariamente em reprodução digital dolby stereo surround por oito pilas a meia.
LONDRES - Keith Richards disse que desistiu de vez das drogas porque a qualidade anda muito baixa e já não sente a mesma satisfação. "Eles cortaram o barato geral. Não gosto do modo como fazem efeito só na área do cérebro em vez de agir através do sistema circulatório. É por isso que não tomo mais e quem fala é uma pessoa que entende do assunto. Eu só tomo drogas agora quando o assunto é grave, como ter minha cabeça aberta. Usei morfina durante algumas semanas. Eu dei uma cantada na enfermeira da noite e consegui umas doses a mais, ela era muito compreensiva."
fazendo hora na livraria. folheando um livro do norman mailer caro demais pra levar pra casa. o norman falando algo a respeito do jeitão cafa de kennedy nas eleições americanas quando... "oi, vocês têm algum livro do john fante?" meu detector beat interno foi acionado ao ouvir este nome: fante. atenção! levantei os olhos do livro, deixando o norman quieto por um instante, e focalizei de imediato uma pequena criaturinha wanna be beat. uma loirinha chave-de-cadeia, com mochila a tiracolo, rabo de cavalo, jeans e tênis all star. fante, balbuciei. "pergunte ao pó", leu claudicante a vendedora por trás da tela de consultas. "é este mesmo", respondeu a guria, num sorriso de genuíno entusiasmo.
ginásio do ibirapuera lotado. pro jogo do brazil. pude contar exatos quatro policiais fardados no recinto. todos os quatro em pé cercando a baia da rede globo na tribuna de imprensa. escoltados por dois seguranças brutamontes de terno-e-gravata.
john pothead é um aventureiro. descendo a rua pires da motta à toda, rasgando o silêncio d´aclimação com o grande tubarão bordô, mr potdriver freou bruscamente e dobrou à direita na rua nilo. oh, fuck. o que se passa?, perguntei, aturdido com a mudança de rumo. potman nem me respondeu, tão transtornado quimicamente estava ele atrás do volante bordô. descemos a rua nilo e chegamos a um trecho inexplorado d´aclimação. parecia o brooklin. parecia pinheiros. parecia outro bairro. um bairro arborizado, de casas com quintais e mansões protegidas por aquele ar pacato próprio dos muros eletrificados. céus, um bairro burguês, que pôrra é essa? a rua nilo desaguou num largo cheio de carros bacanas estacionados em frente ao tennis clube paulista. tênis? e onde estão as britadeiras d´aclimação? as buzinas? um silêncio impenetrável abraçava aquelas ruas. nunca mais chegaremos em casa, nunca mais. terei que abandonar a vida beat e me tornar um grã-fino que joga tênis nas tardes de quarta-feira. meu delírio foi interrompido com a visão alvissareira de uma placa: rua urano. bueno. respirei aliviado. enfim, não tínhamos deixado o sistema solar. mais adiante, à medida que as casas ficavam para trás, dando lugar aos grandes prédios residenciais da especulação imobilária, aquelas ruas me pareciam mais familiares. pude ficar feliz novamente ao avistar a fachada da padaria orquídea pérola. cruzamos a castro alves e, por sorte, lá estava a loureiro da cruz. lá estava o imponente the double tree park residential complex fincado na esquina. onde sempre esteve.
"fiz um móbile cheio de algas marinhas
salve, simpatia. paulo maluf, orestes quércia, valdemar costa neto e professor luizinho são apenas algumas das sumidades que aparecem diariamente na televisão. como é bom o horário eleitoral. não nos deixa perder de vista os antigos conhecidos.
um peso. para a porta da varanda não bater com o vento.
não sabia como o barulho da porta da lixeira poderia ser excitante.
duas da tarde n´aclimação. o sol de inverno entra pela janela, doirando a varanda e aquecendo o sofá aqui onde me estiro pra ler um jornalzinho, completar as palavras cruzadas. para espantar o calor, tiro a blusa, fico de uecas. prendo o cabelo e acendo um cigarrinho. vou regar as plantas.
Sinto falta daquele setembro de 2006. Das tardes preguiçosas n´Aclimação. Dos filmes em preto-e-branco na casa do Berna. Dos baseados enrolados com tempo e capricho. Dos jogos da Champions League. Do sol e da piscina do Double Tree. Dos beijos açucarados e inocentes de Pitilinha. Dos almoços saborosos feitos em casa. Do novo de Bob Dylan e dos velhos discos de vinil. Até hoje não resgatei aquela boa sensação - de setembro de 2006.
bem-vindo ao phone center do hsbc. disque os números de sua agência bancária e de sua conta corrente ou disque nove para...
- boa tarde. é da casa do senhor bernardo?
está rolando o campeonato mundial de basquete feminino aqui em são paulo. oh, emoção!
comprar cigarro na rua josé getúlio. nove e tanto da noite, quase dez, apenas a padaria madame aberta. voltando ao double tree, notei o ar parado na noite quente de inverno d´aclimação. tentava puxar um tantinho de ar para dentro de meus cavernosos pulmões canábicos. mas o ar estava morto no ar. no mormaço de inverno. nenhum vento soprava. nenhuma árvore se mexia. barulho nenhum na quente noite escura da josé getúlio. apenas um mendigs dormindo enrolado no cobertor sobre a calçada.
diego (ou diogo) é um jovem zagueiro do cruzeiro. 20 anos de idade. dia desses, num treino na toca da raposa, teve um piripaque e desabou no chão. enfarte. sorte que o time dele é o cruzeiro. e não o planaltina, o olaria, o flamengo. então os médicos logo perceberam o troço sério. um médico ficou fazendo massagem cardíaca & respiração boca a boca, enquanto o outro médico foi catar um desfibrilador nos vestiários. em menos de três minutos, o cara foi eletrocutado de volta à vida.
"setenta adolescentes fascistas do Colégio Objetivo criaram
Belo dia de sol e continuamos na mesma. Procurando o grande sentimento. O amor. Sim, o bom e velho aquecedor dos dias de frio. O amor é ternura, só isso. Ternura que passa e vira indiferença. O amor é pau duro e boceta molhada. Provavelmente, a combinação mais amorosa de todos os tempos. Desesperamo-nos. Queremos ser sempre duros e molhados. Mas, não rola. O amor desabrocha e depois brocha. Eis aí uma lei da natureza, tenho dito. O amor só não morre dentro de nós. Ele está sempre à espreita. Basta surgir uma carne nova, uma idéia nova. Sangue nas veias e viço nas membranas.
Começa a partida no Maracanã. As duas equipes estão próximas da zona de rebaixamento e querem sair de qualquer jeito. O Botafogo é o décimo colocado com 30 pontos e o Flamengo é o 18º com 24 pontos e na zona de rebaixamento. O Maracanã tem um bom público, mas longe de estar lotado. Cruzamento da esquerda e a defesa do Botafogo afasta. Renato Augusto é lançado na direita e cruza em cima da marcação. Luizão faz falta no meio-campo e recebe o amarelo. Ruy lança Junior Cesar na área. O jogador cruza rasteiro e Lima não consegue chegar na bola. Encerrado: Paraná 1 x 0 Fluminense. Renato passa para Obina na esquerda que cruza rasteiro. Luizão se esforça, mas não consegue alcançar a bola. Ruy recebe na esquerda e manda a bola para a área. A bola desvia na zaga e vai nas mãos do goleiro. O Botafogo não consegue criar no meio-campo e está mal defensivamente. GOOOOOOOOOOOOLLLLLLL DO FLAMENGO!!! Renato Augusto escapa pela ala direita e cruza rasteiro da linha de fundo. Luizão não consegue alcançar, a bola bate no joelho de Rafael Marques e entra no gol botafoguense.
"... well, the moon gives light and it shines by night
pois o novo disco de bob dylan, "modern times", foi o álbum mais vendido nos states na última semana. no topo da parada. como é possível? será que os fãs de bob são uns hippies velhos que não sabem baixar música e ainda compram disco no wal-mart? ou será efeito scarlett johansson, por causa do clipe de "when the deal goes bad"? uau.
hoje é dia de feira. comprei tomate, cebola e alface. comprei mamão papaia e um cacho de banana. também bati um pastel de carne, por que apenas com hortaliças e frutinhas, beat nenhum pára em pé.
berna beat é uma farsa.
intenso tráfego aéreo dentro de meu apê beat. duas moscas girando pela sala. voando macias de paraglider. o sol de verão entrando pela janela. sol sem calor. ouvindo bois de gerião, para esquentar a aclimação. e as duas moscas aqui planando. lentas no paraglider. assim meio chapadas. aproveitando os poucos minutos de sol. até as moscas chapadas curtem um feriado. a girar, a girar.
"at home he feels like a tourist
diz o noticiário internacional em tempo real:
sete graus na madrugada d'aclimação. fez dois graus (negativos) em campos de jordão, me disse o porteiro, esta manhã, enquanto esfregava as luvas nas coxas. ouviu no rádio. deve ser frio pra c*ralho campos de jordão, concordamos, esperando o elevador. subi pela escada. terceiro andar. deve ser mesmo frio pra c*ralho em campos do jordão, pensava, suando dentro do cachecol de llama chilena.
se o tempo e o espaço são nossas duas dimensões
tomou os óculos de minhas mãos.
ipanema acabou