sinceridade
"Estou ficando cada dia mais esquisito. Convenhamos, tenho 45 anos. Em breve vou fazer 46. Não me sinto mais à vontade nos lugares. Não vou mais ao cinema. Me incomodo com as pessoas fazendo barulho, conversando ou comendo pipoca. Isso nunca me incomodou antes. Mas agora me incomoda muito. Devem ser os males da idade. Ou as benesses, sei lá. Assisto filmes em casa. Um porrilhão deles. Ainda gosto de sair à noite. Sou um boêmio, admito. Mas só vou em bares onde me sinto razoavelmente a vontade. Só sento em mesa de amigos. Caso contrário, prefiro mesmo ficar sozinho no balcão. Não tenho muito saco pra conversar com quase ninguém. Nem pra conhecer pessoas. Não gosto que me apresentem ninguém. Quando eu conheço alguém, tem que ser naturalmente. Não suporto alguém dizer pra mim: Preciso te apresentar tal pessoa. Aí já fico na responsabilidade de ser receptivo, razoavelmente simpático e não tenho mais idade pra isso, embora me esforce. Mas não quero mais me esforçar. Gosto de ficar sozinho em casa. Cada dia que passa, gosto mais de ficar sozinho em casa. Não gosto de receber visitas. Gosto de ficar deitado no colchão vendo um filme e me levantar de repente e correr pro computador porque tive uma idéia pra um texto e então começar a escrever como um possesso até a inspiração ir embora. Aí então pego um livro e vou ler ou coloco o novo disco que comprei..."
(mário bortolotto)