The Pothead Blues

poesia beatnik e pensamentos nihilistas

30 junho 2008

la ciudad abandonada

dez da noite n´aclimação. há tempos não fico acordado tão tarde. acordo cedo e vou dormir mais cedo ainda. tentando trabalhar uma poesia mais solar, tu sabes, largar a boemia ruidosa por um instante, em troca de dias mais ensolarados. então bate as dez da noite e este meu corpo - carcaça inútil - enverga no rumo do meu colchão beat. mas luto contra o soninho pesado. vou até a varanda hipster e meto o cabeção para fora. para ouvir melhor os sons da night.
as janelas acesas n´aclimação. um carro de alarme disparado numa rua vizinha à liberdade. estranho tantas luzes, tantos prédios. estranho o quase silêncio das construções abandonadas, obras suspensas. sinto falta dos operários gritando dos patamares, arrebentando paredes e erguendo pisos, fazendo rapel na encosta do edifício para dar uma mão de tinta assim de passagem. às vezes eles fazem hora-extra mas, antes das dez, não tem jeito, eles têm que largar as ferramentas e se meter em um ônibus, dois ônibus, três ônibus - o plural de ônibus é ônibus, então não importa quantos eles são - até uma vila qualquer da zona leste, zona sul, wherever.
e deixam para trás o silêncio inóspito da grand ciudad abandonada.
percebi isso hoje de manhã, percebo melhor as cousas pela manhã, dando uma banda pela rua turmalina, quando um grupo de operários colocava abaixo, numa algazarra, telha por telha, o telhado de um casarão abandonado. eles se regozijavam a cada marretada e, pude perceber porque parei na calçada e fiquei olhando atento, fingindo esperar o ônibus, eles se aplicavam para que cada telha tirada do lugar caísse lá embaixo fazendo o maior esporro possível.
percebi - então - que derrubar casarões abandonados e perturbar as gentes ao redor é a única revolução possível ao alcance desses sujeitos apartados da society. eles pegam dois, três, quatro ônibus e se arrastam lá da periferia antes mesmo do alvorecer, para estarem aqui às sete em ponto da manhã e f*derem com teu soninho pequeno burguês. para pilotarem britadeiras a tarde inteira e f*derem teu trabalhinho chinfrim e f*derem tua paz de espírito mesquinha. é isso.
é essa a verdadeira poesia concreta.

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a little word sobre o poeta, a caca de cachorro e o junkie irlandês

a aclimação é um bairro cosmopolita encravado no coração da grand ciudad. sabemos disso. tropeçamos em coreans a cada esquina. a novidade desta manhã, no entanto, foi um irlandês junkie a tropegar pela rua josé getúlio. tipo oito e pouco de segunda-feira.
era mais uma manhã eventual na vida de berna beat, o herói da classe trabalhadora. eu subia a pires da mota vindo da aclimation avenue, feliz, lampeiro por ter aberto a semana perdendo mais de quatrocentos reais em contas e débitos bancários. eu estava no rumo do supermercado dany, como uso fazer todas as manhãs, e planejando dar aquela providencial passadinha na padaria madame para bater um café preto doce e fumegante, a única maneira de afugentar essa inverneira de minhas maltratadas e precocemente senis articulações.
te digo aqui que um simpático cachorrinho, pouco antes, tinha posto as tripas para fora ali na esquina da pires da mota com a josé getúlio, justo em frente à banca tentação. e eu estava atento e distraído, como todo poeta, dando uma espiada en passant pelas manchetes dos noticiosos diários ali dependurados quando, pfui, escorreguei bonito na caca marrom e saí deslizando pela calçada.
- watch out!, gritou um sujeito meio ruivo, meio maltrapilho, too late.
me segurei no poste e fui calcular o fétido estrago da bosta no meu pisante beat engomadinho.
- hey, man. that was awful.... let me ask you... do you speak english?
o gringo já estava ali ao meu lado, todo falante e cheio das expressões. todo friendly e puxador de papo. eu olhei prele meio de rabolho. um tanto desconfiado. minha mãe me disse para nunca falar com estranhos. nem mesmo em idiomas estrangeiros.
- yes, i do. but just a little.
eu deveria ter ficado quieto, sabe. deveria. porque aquelas minhas palavras precariamente articuladas certamente pareciam shakespeare aos ouvidos de nosso amigo irlandês, submetidos que estavam a ouvir apenas o precário português com sotaque coreano que corre pel´aclimação.
- oh, man. that´s cool. i´m from ireland, you know? i just want to have a little chat with you...
- oquei... but... what´s the problem, man?
- what´s your name?, ele me perguntou assim na lata, numa estranha indagação que me fez lembrar suddenly das minhas primeiras lições no ibi da asa sul. engraçado que nunca ouço nada assim parecido vindo de suecas ou dinamarquesas perdidas n´aclimação.
ele aproveitou para me pedir um cigarrillo.
- what´s your name?
- bem... what´s in a name? what´s the use for a name? who matters?
ele sorriu, mas não entendeu a poesia de vida ali contida.
- my name is frank. i´m from ireland. i´m trying to find any one-day job here, ´cause i lost all my money in a...
- a job? ah. tu estás a perguntar para the wrong man. i do not have a job. não trabalho. sou poeta. i´m just a poet - you know?
ele olhou pra mim de bocaberta. não estava a entender lhufas.
- just a poet, eu insisti. like... you say... yeats, right?
- like yeats. sure. i dig yeats.
- that´s it, camarada. like yeats. no money in poetry.
- what are you going to do now? can we go around and...
- bueno. agora vou ali na padaria and kill a coffee preto doce e fumegante... después, me vou pra casa. provavelmente escrever algo sobre a bosta de cachorro em que pisei. a little poem about a doggy shit, tu sabes?
ele sorriu: about dogs and irish people.

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28 junho 2008

stray dogs

frio do cacete n´aclimação. frio e serração. quase colocando abaixo a mesa do meu comput, a marretadas, pra fazer de lenha. cubro minha carcaça com casacos e jaquetas e cachecóis e gorros e impermeáveis mil, assim astronauta, e estico as pernas para enfrentar the fog paulistano no corpo a corpo. sete da manhã, descendo a pires da mota. ali na quase esquina com a josé getúlio, trombo com um cão vadio. daqueles legítimos. um vira-lata de pedigree. dos mais clássicos: pêlo curto e doirado, barriga branca, focinho escuro, pernas finas e rabo comprido desgrenhado.
o totó dá umas voltas pela calçada, cheirando nos postes os mijos de cachorros outros, cachorros de madama, que descem de seus apartamentos classudos só para fazer territorial pissings na vizinhança e largarem generosos bombons de caca no caminho dos passantes. sem muita vontade de mijar, já tinha mijado em casa, eu te digo que quebro a passada na josé getúlio, virando à esquerda. e o totó vai pelo mesmo caminho, fagueiro logo pela manhã, adentrando a rua favorita dos bebuns d´aclimação.
os cachorros e as pessoas desaparecem de uma hora para outra na grand ciudad, um poeta já o disse, quiçá eu mesmo. mas o que o poeta não reparou é que os cachorros também surgem de uma hora para outra na grand ciudad. esse totó doirado mesmo, com seu rabo em desatino e andar trôpego, é bem novidade entre as gentes d´aclimação. imagino de onde tenha vindo. caído do caminhão de mudanças. armado uma prision break na carrocinha. abandonado pelo dono em desalinho. órfão de algum poeta torto, beatnik, que dormia pelos campos elísios e não resistiu à friaca de inverno.
peço um café preto doce e fumegante no balcão da padaria madame. café doce e fumegante é bom pra dilatar os dutos venosos e arejar os poros da epiderme num frio do cacete assim. fazendo hora esperando o mercado abrir, dando um tapa no cafezinho. o cachorro fica na porta da padoca. se distrai com o caminhão de laticínios.

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26 junho 2008

Casaco marrom

Como bem salientou nosso colunista Berna Beat, tá um frio bate queixos aqui em Sampa. Fui procurar umas pantufas no armário. Umas que ganhei de amigo oculto. Já vieram com cheiro de naftalina. Coisa de três conto.

Na zorra do meu armário, um buraco negro de indivíduos-sapatos, achei uma botina velha. Marrom, puída de verdade, que roubei do meu irmão. Ele foi pra Madrid, o que tecnicamente configura um empréstimo. É o pisante que mais me amarro.

Do tipo de calçado que, se você sai com uma mulher, ela não consegue disfarçar a decepção. Ficam assim caladas, apenas pensando "será que ele acha que isso é cool?"

Hoje visto sapatos formais. Não são chiques. Eles dão pro gasto no mundo corporativo. E os meus estão bem gastos. Me recuso a usar dinheiro com roupa de trabalho. No máximo descolo algumas do meu pai. Ou dos meus irmãos. Até que eles têm bom gosto.

No mundo corp as pessoas precisam mais e mais de roupas. Uh, e elas são caras. Dizem que é investimento na carreira. Dress code. No meu caso, o negócio é o seguinte. A única carreira que pretendo investir é a de vagabundo. E vagabundo que se preze, usa roupa doada.

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cinema de mentirinha

"Era um cigarro preparado com alface! Eu não suporto a idéia de nada que me tire a lucidez, principalmente se for por vício e ainda por cima proibido"
(da atriz carolina dieckman, sobre o doseabá que queima no filme "onde andará dulce veiga")

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25 junho 2008

cinema de poesia

os caboclos estiveram em brasília pra rodar um curta-metragem.
a bagaça está sendo montada neste momento e deve ficar pronta pro festival de brasília, na segunda quinzena de novembro.
o andré araújo e a silvia lourenço são os atores, o gustavo galvão dirigiu e este vagabundo aqui escreveu o roteiro.
o nome do troço é "a minha maneira de estar sozinho".
os malucos da tv cultura vão exibir o making of (chique pra c*ralho) dentro do programa "zoom". ele foi feito pelo brother jimi figueiredo e o programa rola neste sábado às 22h30 - com reprise na madrugada da outra sexta, 1h30.
a versão tosca do making of está no youtube.
http://www.youtube.com/watch?v=r6f0w7LD1h0

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24 junho 2008

kátia

"i've been a moonshiner for many long years
i spend all of my money on whiskey and beer
i'll go down to some holler and set up my still
i'll sell you a gallon for a two dolar bill.
i'll eat when i'm hungry and i'll drink when i'm dry
if whiskey don't kill me, lord i'll live 'til i die."
(traditional, arranged by dylan)

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23 junho 2008

like an old lad

friozinho do caramba n´aclimação. vontade zero de me levantar do colchão beat. meião de futebol até a canela e calça de moleton e camisa de lã. tipo tiozão beat aquecendo um chá no fogão. penso que eu serei bem assim quando me aposentar desta vida frenética de trabalho compulsivo que ando levando. serei an old lad. serei um brito quando ficar old assim. andando pelos cantos, de moleton bege, fumando e tossindo, ouvindo pearl jam no meu ipod. sem fazer nada. falando do calor quando estiver fazendo calor. falando do frio quando estiver fazendo frio. reclamar do calor no verão, reclamar do frio no inverno. porque as estações em la grand ciudad, uma atrás da outra, não páram mais de passar.

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22 junho 2008

the shocking truth

a verdade é triste...
casualmente, balouçando ao vento do google, me deparei com um dado chocante sobre nosso aprazível residencial beat, o the double tree park, este confortável e hipster cafofo onde fica a redação do tpb e onde nos abrigamos john pothead e eu, além de nosso brother chalub, além do estimado velho brito, personagem corriqueiro deste blog.
pois bem... em verdade, vos digo:
celso russomanno é nosso vizinho. sim, nosso vizinho.
http://politicos.br101.org/celso-russomanno.html
(em tempo: e ele ainda deu uma bela baixada no preço do imóvel, claro, pra não dar na vista.)

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20 junho 2008

Buried alive

Já vi muitos lugares bonitos. Aqueles. Que conhecemos nas viagens. O Nordeste. A Europa. Mas, faz anos, só vejo os prédios de fora. E o escritório. Do lado de dentro. Os computadores e a gente de escritórios. Os verdes. Os de manchas e marcas na pele. Verrugas, estrias, caspa. Os de gravata. As de tailleur. Digo sempre assim: não, eu não sou um de vocês. Eu sou diferente. Eu grito. Esperneio. E cuspo. Mas eles nem dão bola. Dão risadas de dentição amarela. Como se eu pudesse escapar. At least. At least. At least eu terei money. Pra comprar o que mesmo?

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18 junho 2008

buk e as mulheres

"Antes de conhecer Linda, passei quatro anos sem mulher. Me sentia bem. Por algum motivo, cheguei a um estágio em que não queria passar pela tensão de um relacionamento. Não queria perder tempo com isso. Quando querem, as mulheres tem uma capacidade pavorosa de gastar seu tempo. E quando você é poeta, elas esperam que você ande por aí dizendo um monte de coisas grandiosas e profundas sobre o sentido da vida. Eu não sou assim, graças a Deus. O que eu posso dizer a elas? Eu quero foder com elas, só isso. Então quando você está com elas há quatro dias, e a coisa mais profunda que disse é ´meu bem, você esqueceu de dar descarga´, elas se perguntam ´que tipo de poeta escroto é esse?` Leva um tempo até você processar essas coisas. Durante aquele período de quatro anos, eu simplesmente decidi não entrar na caça a todas as bocetas embaixo de uma saia. Eu voltava pra casa, tomava cerveja e ouvia minhas orquestras. Tinha um lugar pra deitar e minha máquina de escrever. Eu me masturbava adoidado e escrevi muito, então acho que tudo deu certo."
(charles bukowski)

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uma frase para a história

"não admito ser algemado e só entro morto em um camburão"
(paulo salim maluf, exemplo de homem probo e reto, ao ser preso, e solto logo depois, em setembro de 2005)

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boa noite e boa sorte

fico cabreiro quando se despedem de mim desejando boa sorte.
- brigada, poeta. boa sorte.
- sorte? acha mesmo que é questão de sorte? espero que não seja questão de sorte, guria, espero que não. a sorte é inconstante. a sorte falha. a sorte é o azar também.
"Ella dijo que te vaya bien,
y le dije buena suerte y hasta luego
y nunca más la volveré a ver
o talvez sea en algún tiempo.
Yo pensaba que estaba todo bien,
que sería sin problemas como un juego
y nunca más la volveré a ver
o tal vez sea en algún tiempo"
(andrés calamaro)

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17 junho 2008

aguarde instrução da máquina

gosto de trotar pel´aclimação a ouvir rock and roll enfiado pelos dutos auriculares à distância de uma polegada de meus tímpanos, martelos e bigornas. a medir os passos pelo compasso rocker que só eu posso ouvir. hoje mesmo, ainda pela manhã, fui dar uma banda lá no banco, sacar grana para pagar dona maria rosa.
and i'm so lonely, i don't think i can take it anymore
and i'm so lonely, i just don't know what to do
and i'm so lonely, feel like i'm gonna crawl away and die
and i'm so lonely, feel like i'm gonna hack hack hack hack it apart
ouvindo violent femmes em volume extremo, ainda pela manhã, pode ficar divertida a espera pelo saldo a ser cuspido pelo caixa eletrônico. batucando na machine pagando de gordon gano. o segurança do hsbc fica te olhando assim com cara de desconfiança, quando te vê tão feliz a examinar o próprio saldo de conta corrente. ele passa a mão, de leve, no cabo do porrete, como se pra averiguar que estava lá no devido lugar. eu sorrio de volta e tomo a porta da rua, a brisa d´aclimação a balouçar minhas melenas hipsters.
it´s a gas

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anjos da noite

the black crowes e outros pássaros selvagens dão seus rasantes no 'anjos da noite'.
the allman brothers band e o lynyrd skynyrd, sam cooke e otis redding, the faces e the rolling stones são algumas das avis rara desta noite.
logo mais, às 22h, na rádio cultura fm do distrito federal.
http://www.movimentocalango.com.br/radiocultura.asp
o 'anjos da noite' é uma artesania radiofônica com a qualidade TPB
ps - este programa ficou a cargo de john pothead (aka marcondes) como produtor e redator.

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16 junho 2008

é grave a crise

alarmante notícia pescada do noticiário econômico...

"Os preços ao consumidor da erva canábica (maconha, marijuana) e dos seus derivados (haxixe, óleo e "queijo") sofreram aumentos da ordem de 100% no mercado europeu.
A ameaça de o Exército libanês invadir o Vale do Bekaa (aos pés do Monte Líbano) para destruir os plantios de maconha e a redução da safra no Marrocos são apontados como causas da subida dos preços. O Marrocos é o maior produtor mundial de maconha e haxixe.
O produto marroquino entra na Europa pelo Atlântico e Mediterrâneo. A França é o maior mercado consumidor do haxixe do Marrocos. Como conseqüência da redução da oferta e do permanente aumento da demanda, os preços dispararam na França, Espanha, e Inglaterra, países de elevado consumo.
Na América Latina, os grandes produtores já ameaçam de aumento os EUA, seu maior consumidor. "

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the netherlands e tal

fora dunga!
cansei de gilberto silva, mineiro e josué.
na boa, pode ficar pra ti...
agora estou numas de torcer pra holanda.
a holanda é legal. os holandeses jogam no ataque, queimam fumo e bebem cerveja até cair.
e as holandesas são loiras e peitudas que saem com caras que queimam fumo e bebem até cair.

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15 junho 2008

the poetry as a full-time disturbance

- guria... me diz... tu curtes poesia?
- um pouco.
- bacana. mas "um pouco" em que sentido? pouca poesia? poemas curtos?
- gosto muito de poemas curtos.
- creio que a brevidade é necessária ao poeta contemporâneo.
- é um ponto de vista.
- perceba que a boa poesia precisa reproduzir seu tempo.
- tu fala sério?
- te digo... hoje as pessoas vivem num corridão e os sentimentos são assim, eles vão num batidão. ninguém tem tempo para longos poemas de amor, longos sentimentos. acabou a tuberculose.
...
- me diz, guria, tu não curtes falar de poesia, não?
- papo chato, esse teu.
- pra tu ver.

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the dutch post-impressionist artist

na real, se vivo fosse...
conseguiria vincent van gogh ter crédito aprovado
e ser "cliente van gogh" do banco real?

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14 junho 2008

i can read it like the back of my hand

dia de feira na loureiro da cruz. evito andar no trecho da rua aqui bem em frente ao the double tree park, porque é onde encostam os peixeiros e o asfalto fica molhado melado grudento de eca de peixe. vísceras, se tu me entendes. então dou uma circundada nos peixeiros e em suas tripas, passando pela calçada em frente ao residencial les palms. sempre entro na feira assim meio de ladinho, pelo canto da rua urano onde fica a barraca do vendendor de coco. "bom dia, meu patrão", ele me saúda, todos os sábados pela manhã, e olho desconfiado por trás do meu ombro para ver quem seria o patrão dele, coitado.
falei do senhor dos cocos porque ali perto dele, sentada num caixotinho, fica sempre encolhida uma cigana. uma cigana anã. uma cigana anã perneta que lê a sorte na palma da (tua) mão. tenho medo da cigana anã perneta. ela é a personagem david lynch na feira da loureiro da cruz. ela me olha assim meio de rabolho (será só a mim?) como se tivesse a lançar uma praga shakespeare sobre minha já pesada e enfadonha existência beat.
a cigana anã perneta quiromante fica sempre sentada no caixotinho e apóia o corpo bizarre numa bengala. saia preta até os tornozelos (não é difícil) e blusa rubro-negra estampada de mangas bufantes, te digo que nunca prestei muita atenção pra precisar para ti os detalhes da blusa estampada, pois tenho medo da diminuta figura. seus cabelos presos num coque, às vezes usa boina preta, quando faz sol, sempre a ostentar dois brincos ciganos de argolas doiradas.
sempre a me olhar com perversos olhos malignos.
hoje a cigana anã perneta quiromante estava a ler a sorte de uma incauta moradora d´aclimação. franzia a testa ao ler a suerte. percebi isso enquanto catava cebola, dissimuladamente. e ela torcia o nariz de um jeito estranho que deve ter aprendido lá com suas tias da romênia. torcia a cara enquanto passava as unhas tortas vermelhas compridas na palma da mão da freguesa que, alma perdida em dor e desespero, permanecia encurvada corajosa e lívida ouvindo sabe-se lá o quê. deixei as cebolas pra lá. e saí da feira fugido ligeiro num arrepio. fui bater um pastel de bacalhau na chinesa lá do outro lado do quarteirão.

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13 junho 2008

cinéma verité

tirei o dia de ontem prum cineminha.
me dá preguiça na lombar sair de casa prum cineminha qualquer. também me dá uma preguiça monetária, se tu me entendes, quinze mangos numa sessão de cinema. bueno, quando eu vou ao cinema, vou para valer. então peguei logo uma sessão dupla no frei caneca.
primeiro um filme novo do julio bressane.
depois um filme véio do glauber rocha.
tem quem prefira bambuzinho debaixo da unha e choque elétrico no saco.
no filme do bressane, quatro pessoas na platéia. uma se levantou e foi embora no meio.
no filme do glauber, duas pessoas na platéia. o outro camarada comeu um saco inteiro de batata ruffles.

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12 junho 2008

para ouvir e amar

o über corporate man roberto justus, ídolo e amigo pessoal de john pothead, está se lançando na carreira de cantor.
acaba de apresentar seu primeiro registro fonográfico, chegando às lojas a tempo do dia dos namorados.
o álbum "só entre nós" traz participações especiais de paulo ricardo e agnaldo rayol num repertório dedicado a clássicos das churrascarias internacionais. tipo unforgettable, what a wonderful world, always on my mind, yesterday e... my way.
o disco foi produzido pelo músico afonso nigro (ex-dominó).
lançamento sony-bmg.

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11 junho 2008

the man who wasn´t there

o velho brito é um sujeito de hábitos regulares. um homem de disciplina. porque só assim, creio, tu consegues ficar that old. o brito, por exemplo, sempre sai de casa às nove e meia da manhã. larga a velha lá dentro, sai pro corredor, fecha a porta e fica ali em pé. sei disso porque dou uma espiada pelo olho mágico do 1604. brito nessa hora está carregando uma sacola de supermercado com o lixo da noite. acende um cigarrinho, segurando o lixo, diante da porta. às vezes come uma banana ali mesmo. e sai fumegando até a lixeira do décimo-sexto. onde dá uma boa lida nos periódicos antigos que foram jogados fora. prefere a parte de esportes. sempre revira as caixas de pizza, porque às vezes um vizinho esquece de recotar o cupom de promoção, então ele se dá bem. brito, já foi dito, dá um rolê pelas lixeiras mais próximas. às vezes, quando se sente lucky, detêm-se mais nessa varredura, indo até o último andar, o vigésimo, e de lá descendo em sua inspenção solitária. ainda pela manhã, vai até o átrio do the double tree park, no térreo, e fica fumando um cigarrinho sentado no sofá de couro da recepção. às vezes ele chega a entrar na academia - onde john pothead fica a malhar - e se senta numa daquelas máquinas de tortura medieval. sempre no cigarrinho. dá um tempo apreciando a academia, ainda vazia pelas manhãs, e segue adiante, tomando o elevador até o primeiro subsolo, onde bate um papo com o garagista. papos que já foram mais compridos, quando joãozinho era o garagista, antes do atual gordinho de poucas palavras e sorriso lerdo ocupar esse job. acho que o brito não vai muito com as fuças do novo garagista. então fuma um cigarrinho calado e dá uma espiada no trânsito da pires da mota.
assim são as manhãs do brito. gosto dele. apesar de ele feder um tanto. porque brito é very very f*cking old e já conseguiu lapidar um estilo particular de doing nothing. um dia chego lá.
isso pra te contar que, hoje de manhã, brito me surpreendeu. quando eu estava a descer do elevador no décimo-sexto, carregando minhas compras matinais do supermercado dany, e dei com a luz do corredor acesa. era nove e dez da manhã. ainda cedo para o cigarrinho de brito. de fato, brito não estava ali de pé em frente à sua porta, 1605, bloqueando minha passagem até o 1604. brito não estava lá. mas a luz do corredor estava acesa e - oh - a porta do 1605 estava aberta, escancarada. já tinha visto aquela porta entreaberta algumas vezes, nesse quase um ano que somos vizinhos, mas hoje foi diferente. porque era cedo demais para brito. e porque a porta estava completamente aberta. como se o casal brito estivesse a esperar alguma visita. como se tivesse sido arrombada por um meliante. como se brito simplesmente me aguardasse. engoli em seco e olhei para dentro do apartamento.
o cheirinho tóxico tão peculiar a brito e às suas cercanias, podrinho, envenenando o ar. espesso, quase palpável, quase sólido como os dejetos de sonhos apodrecidos. como num conto extraordinário de allan poe. prendi a respiração, gro, mas não me intimidei. meti o olhão para dentro da alcova de brito. um olhar ligeiro, de relance, enquanto dava uma passada comprida e agarrava a maçaneta do 1604, metendo minha carcaça para dentro de meu apê beat num é unico e ligeiro movimento diego hipolito.
fechei a porta às minhas costas. liguei a tevê no sportv, fechei as janelas e me atirei em meu sofá beat. as imagens da casa de brito ainda frescas, rambling on my mind. posso te dizer, pelo que notei naquele clímax que durou não mais que um ou dois segundos, que o apartamento de brito ainda assombra meus sentimentos. me lembro do corredor estreito, levando da porta de entrada à cozinha e à sala, de paredes brancas e carpete marrom claro. num canto do corredor, logo à entrada, uma mesinha de madeira ocupada por um único objeto de porcelana, um barco de porcelana carregando a imagem de uma vestal em trajes de camponesa. tipo do troço que qualquer vó tem em sua casa cheia de bricabraques. mas ali, aquela mocinha a velejar, me pareceu a barca do inferno. o cheiro de enxofre escapando do carpete fétido. as paredes brancas, refletindo o sol matinal d´aclimação, a me ferir as vistas e tontear os sentidos. o cheiro, o cheiro, o cheiro. minha condenação por levar uma vida beat cheia de luxúrias, pecados e lassidão. nunca mais olharei para dentro do apartamento de brito, nunca, nem por um mísero e fortuito instante, se não quiser me ver perdido, minh´alma condenada, mais um passageiro a se danar na barca do inferno.

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10 junho 2008

bix beiderbecke

a vida no the double tree park não pára. agora tenho um(a) vizinho(a) clarinetista. creio que mora no décimo-sétimo andar. não sei se é novo(a) morador(a) ou se alguém recentemente descobriu a verdadeira vocação. certamente te digo que não se trata de um músico profissional, de um integrante da osesp. primeiro, porque os músicos profissionais não têm aqueles dedos nervosos e o sopro claudicante que fazem a esmerilhada clarineta do double tree - pode ser um oboé, confesso - desafinar a cada nota em sua partitura desritmada. segundo, porque os músicos profissionais - mesmo os punks e os emos - não ensaiam apenas trinta, quarenta minutos a partir das nove e tanto da noite. então, o músico desconhecido deve ser um enfermeiro, muitos enfermeiros moram no double tree, que chega do hospital, toma um banho quente e tenta abrir a cuca para a "arte" queimando um incenso em homenagem a händel. pode ser um enfermeiro. espero que não seja um cirurgião, não com aqueles dedos.
acho que vou pedir pros meus pais beats despacharem, lá de brasília, meu contrabaixo elétrico e meu amplificador pouco menor que uma geladeira. quero pagar de jaco pastorius d´aclimação.

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09 junho 2008

siegues demoliendo hoteles

charly garcía é rock and roll.
a última do camarada, segundo as agências internacionais:
"O roqueiro argentino Charly García foi hospitalizado na segunda-feira após sofrer ferimentos ao destruir o quarto hotel em que estava hospedado na província argentina de Mendoza. O músico foi internado em um estado de alteração visível e tinha as mãos atadas para evitar que atacasse alguém, segundo foi citado pelo jornal Los Andes. "Charly García teve uma discussão com alguns integrantes de sua banda na madrugada, se tornou violento, pegou um extintor de incêndio e destruiu seu quarto e fez estragos em todo o hotel", disse a diretora do hotel, Monica Villegas. Não é a primeira vez que García é notícia em Mendoza por suas atividades fora do palco. Em 2000, se jogou do nono andar de um hotel até a piscina e saiu ileso. Em 1983, depois de causar estragos em um outro hotel na província, se inspirou para compor a canção Demoliendo Hoteles."
(ah... a saber: garcía é um senhor de cinquenta e seis anos.)

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06 junho 2008

the traffic lights

as pessoas em são paulo andam em passos apressados, trombando com estranhos pelas calçadas estreitas de la grand ciudad, empurrando-se sem pedir desculpas e olhando para algum ponto vazio ali à frente. uma das cousas mais selvagens que tu podes fazer nesta pacata megalópole, querido forasteiro, é andar amavelmente com passos vagarosos e distraídos pelas ruas. até o pessoal da isquemia vai passar voado por ti, trotando e puxando a perna imediatamente para outro lugar que não aqui. rosnando na tua nuca.
a ponte da amizade fica ali na liberdade. não chega a ser uma ponte... como uma ponte de paris... uma ponte sobre um rio e tal... na verdade, é apenas um viaduto meio detonado e bem sujinho, erguido sobre uma das mais enfartadas artérias urbanas da ciudad, a avenida vinte e três de maio (o que aconteceu em vinte e três de maio, hein? deve ser o aniversário da mãe do maluf.)
gosto de ficar encostado na mureta da ponte da amizade. apenas ficar ali. tipo seis da tarde. sete da noite. vendo the very city lights brilhando, the traffic lights tumultuando a noitinha.
o engraçado é como as pessoas não entendem te ver ali paradão no sossego. não sabem como agir. passam ainda mais ligeiro, porque pode ser um sequestro relâmpago. ficam espiando meio de longe, porque pode ser um suicidal. ficam atentas com tua pessoa, porque pode ser pegadinha do joão kleber.
eu tento pouco me f*der para esses caras nervosos com os outros, esses pobres que têm medo de sua própria cidade. fico ali paradão. vendo o trânsito. respirando um pouco de co2 e simplesmente being alone de uma maneira poética. se ainda fumasse cigarros, acenderia um na buena. e ficaria feliz com un ratito de paz. como ando sem cigarros pelos bolsos, aumentei o som do ipod girando num shuffle. bem quando começou a rolar happy. keith richards e os stones.

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the poetry as an unreachable distance

- me diz, guria, tu curtes poesia?
- sim, amigo. mas por que a pergunta?
- bueno. te perguntei porque eu não suporto poesia.
- e eu posso fazer o quê quanto a isso?
- eu sou poeta, guria, esse é o ponto.
- mas e daí?
- não suporto aquilo que me mantém.
- estranho...
- verdade. por favor, fale mais sobre isso...
- sobre o quê?
- sobre ser estranho.
- está me fazendo de besta?
- não, não seria minha intenção. só queria saber o que tu pensas sobre a poesia.
- eu não sou poetisa.
- por isso mesmo. queria uma opinião distante. queria uma opinião neutra. e sincera. de alguém que não tem a poesia como companhia constante.
- como falar do que não sei?
- não fale do que não sabes, fale do que sentes.
- não sei. a poesia que eu leio não foi feita por mim, não foi feita para mim. não me atinge. no máximo, acho feia ou bonita...
- então tá.

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05 junho 2008

liberdade, liberdade

não tive as manhas de acompanhar o noticiário desportivo desta manhã. é o tipo do troço que gosto de fazer antes do meio-dia enquanto queimo umas torradas hipsters e batuco umas poesias espontâneas aqui em meu computador beat. mas hoje não, nada de debate esportivo. ter que aturar os pó de arroz. então desliguei a tevê e fui ver qual a boa aí pelas ruas d´aclimação. um rolê pelo aprazível barrio.
tomei a josé getúlio quase por acaso. por hábito. porque gosto dos caminhões de tijolos e dos caminhões da ambev que sempre estão por lá a tumultuar o trânsito. bati um cafezinho na padaria madame e desci a tamandaré até a galvão bueno (ôpa) só pra irrigar as pernas com a cafeína recém-adquirida. esta é uma confluência de ruas que sempre me intrigou: josé getúlio e tamandaré e galvão bueno. sempre quis saber onde começa a liberdade exatamente. percebe? onde a aclimação se torna liberdade. penso que descobrir esse momento exato, esse lugar específico, poderia ser o equivalente a tatear o ponto g da grande são paulo.
a churrascaria rod luz, por exemplo, que fica na josé getúlio, disso não há dúvidas, anuncia em sua nota fiscal ser na liberdade. o mapa é impreciso nas grand ciudads. as fronteiras são assim ordenáveis a gosto de quem o queira. ao sabor do mercado imobiliário. por exemplo: o residencial francófono erguido em frente ao rod luz se chama jardins d´acclimation, e não jardins de la liberté... eu te digo que bem já ouvi dizer que a tamandaré, cortando a josé getúlio e a castro alves, sinaliza o início da liberdade. o guia quatro rodas edição 2005 parece referendar essa noção - mas ali adiante a tamandaré sobe o morro e se torna rua apeninos e, definitivamente, a apeninos não fica na liberdade, fica no paraíso. veja você que também já me foi dito que é a pires da mota a responsável por dividir a aclimação e a liberdade, passando bem rente ao the double tree park. mas a pires da mota logo encontra a avenida da aclimação em pessoa... me parece pouco sensato do ponto de vista urbanista, então, que uma rua limítrofe seja tão íntima da rua que carrega o nome do bairro em si. (embora a avenida pompéia comece na água branca.) vá saber.
a rua galvão bueno (ôpa), no entanto, não precisa de dna ou cep. a galvão bueno já está ostensivamente na liberdade. a galvão bueno nasce aqui perto de casa, no sovaco da tamandaré, e, ao contrário dessa, tem suas calçadas iluminadas pelas lanternas chinesas (japonesas?) que servem como chique iluminação urbana nas ruas centrais da liberdade. mais adiante o portão do bairro oriental se descortina em sua elegância milenar e - pronto - estamos oficialmente na liberdade.
e os japas ficam dando banda pelas calçadas, controlando the traffic. assim que cheguei à grand ciudad, eu gostava de ficar de bobeira pela liberdade, só vendo os japas naturalmente being freak entre seus amigos conterrâneos, e ficava me imaginando num filme do kar-wai e tal. mas depois de algumas caminhadas pelo acidentado relevo paulistano, confesso, meio que me deu no saco essas experiências urbano-antropológicas.
mas hoje fiquei lá sentado no banco da praça da liberdade, perto do ponto de táxi, ouvindo the jesus and mary chain nos auriculares de meu ipobre fajutão. as prosts ainda não tinham chegado na avenida da liberdade. era cedo pra elas, dez da manhã, certamente estavam dormindo num daqueles hotéis suspeitos da região, ou gastando num pingado a grana do último programa da noite passada. dei uma volta nos sebos. as prosts da liberdade não são japonesinhas, não. as neusinhas, creio, são as mais disputadas do pedaço e só fazem o serviço nos abastados "balneários" d´aclimação. foi o que me disseram - pois sou moço de família e não freqüento tais ambientes. ah.

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a incrível vaca que faz pum

the amazing breaking news do noticiário internacional...
"Cientistas da Nova Zelândia alegam ter desenvolvido uma "vacina para flatulência", para reduzir drasticamente a quantidade de metano produzida por animais ruminantes como carneiros, gado, cabras e veados. Acredita-se que tais animais sejam responsáveis por mais da metade da emissão de gases causadores do efeito estufa, causando grandes problemas ambientais. Na Nova Zelândia, por exemplo, 45 milhões de carneiros e 10 milhões de cabeças de gado emitiram cerca de 90% das emissões de metano do país, segundo o governo neozelandês."

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04 junho 2008

o mundo de bo

"bo diddley have you heard
my pretty baby she was a bird"
(bo diddley)

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hortifruti

"O Brasil tem mulheres lindas e cada uma tem seu espaço e faz seu trabalho."
(andressa soares, a mulher melancia)

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03 junho 2008

anjos da noite

duas horas de miles davis.
parece incrível, mas é verdade:
http://www.movimentocalango.com.br/radiocultura.asp
hoje, a partir das 22h, no programa "anjos da noite", pela rádio cultura fm do distrito federal.
(se não der pau...)
o "anjos da noite" é uma tiração jazzy de seus amigos fakers do tpb.

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02 junho 2008

teaser

http://www.youtube.com/watch?v=r6f0w7LD1h0

(o cinema de poesia prevalecerá.)

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